
A pandemia obrigou muitas das tradicionais empresas japonesas a adotar o home office. As pesquisas mostram que os trabalhadores estão gostando de realizar suas funções de casa, mas talvez o Japão não esteja preparado para esta mudança.
De acordo com os dados do governo japonês, divulgados pela emissora NHK, cerca de 34% dos trabalhadores em funções de escritório experimentaram o teletrabalho em todo o país por causa do coronavírus. Em Tóquio, foram cerca de 55%.
O ministro da Economia, Yasutoshi Nishimura, reforçou a ideia de que será necessário promover ainda mais o trabalho remoto, já que a questão do coronavírus ainda deve demorar para encontrar um desfecho definitivo.
O trabalho remoto trouxe vantagens que os japoneses não conheciam e tem sido aprovado de forma geral, apesar do surgimento de novos problemas.
Uma das tantas pesquisas a mostrar bons resultados foi realizada pela agência de notícias Jiji Press em maio, que conversou com cerca de 2 mil trabalhadores e divulgou que 70% das pessoas querem manter o trabalho remoto após a pandemia.
Entre os méritos está a redução do estresse e o melhor aproveitamento do tempo, por não precisar se deslocar até o trabalho.
Mesmo assim, a realidade das empresas japonesas, que relutam em efetivar mudanças no estilo de trabalho, tem mostrado que ainda há um longo caminho a percorrer até que o trabalho remoto se torne algo produtivo e confortável no Japão.
O NASCIMENTO DO “TEREHARA”
A lista de assédio no trabalho no Japão é longa. O termo “terehara” surgiu após a pandemia e se trata da junção de ‘tele’ (teletrabalho) com ‘hara’ (harassment, assédio em inglês). Ou seja: assédio no trabalho remoto.
Antes disso, o termo “corohara” estava rolando por aí. É a junção de “coronavírus” com “harassment”. Logo no início da pandemia, trabalhadores estavam sofrendo agressões verbais por tossir no escritório, por exemplo.
Se entrar no mérito dos assédios a lista é longa.
Há os mais comuns, o “pawahara” (assédio moral) e o “sekuhara” (assédio sexual). E os menos conhecidos como o “matahara” (assédio as mães) e o “patahara” (assédio aos pais).
Esses casos envolvem mães e pais que sofrem pressões para deixar o trabalho, pois estão se ausentando ou produzindo menos por causa dos filhos pequenos.
Mas vamos falar do “terehara”. Logo que o home office nasceu, o termo tomou forma em reportagens de jornais como o Yomiuri e o Mainichi, que tem mostrado os problemas que os trabalhadores em regime home office estão enfrentando.
Mulheres relataram aos jornais que estão sofrendo mais assédio sexual por reuniões em vídeos.
Chefes que fazem perguntas pessoais sobre o apartamento da subordinada, se há um namorado na casa dela, se ela está demorando para desligar a chamada por que quer sair com ele.
Uma trabalhadora disse ao jornal Mainichi que já sofria assédio na empresa do mesmo colega.
“Quando a interação se tornou virtual, parece que ele ficou ainda mais ‘à vontade’ para fazer insinuações”, ela explicou
FUNCIONÁRIOS VIGIADOS

Para muitos trabalhadores de empresas japonesas, o trabalho remoto está longe de permitir realizar as funções de pijama.
A principal reclamação que tem surgido é de chefes que tentam vigiar os subordinados em casa. Perguntas insistentes se realmente está trabalhando, tentativas de usar os recursos de vídeo para vigiar, pedidos constantes para explicar o trabalho.
Outra pesquisa, da empresa Diamond Consulting em Tóquio, mostrou que cerca de 80% dos trabalhadores em regime home office estão enfrentando algum estresse por problemas de comunicação com o chefe.
Cerca de 40% relataram estar sofrendo tentativa de vigia ou questionamentos desconfortáveis com relação a vida pessoal.
Há muitos casos em que o home office reduziu o estresse, mas por causa da dificuldade em ‘trabalhar em paz’, há vários casos de trabalhadores que estão enfrentando até mais estresse do que antes.
Se não houver uma postura de confiança à distância, o tiro acaba saindo pela culatra.
O HOME OFFICE VEIO PARA FICAR?
O tema tem sido amplamente debatido na mídia e o interesse em um estilo de trabalho mais tranquilo é nítido na sociedade japonesa. No entanto, o sucesso do trabalho remoto envolve uma mudança de perspectiva das empresas que tentam manter um estilo antigo e pouco eficiente de trabalhar.
Se preocupar mais com o tempo do funcionário do que com a produtividade, por exemplo, é uma prova de que algo precisa mudar.
O home office pode ser uma solução para resolver os problemas de estresse, mas não pode se tornar um novo caminho para o excesso de trabalho, demandas que chegam vinte e quatro horas, invasões da vida privada.
A mudança também depende do próprio trabalhador. Outro termo a surgir nos últimos tempos foi o “corona futori”, que significa “engordar por causa do coronavírus”. Em outras palavras, o home office e o isolamento social acabaram se convertendo em obesidade para algumas pessoas.
Talvez não haja muita solução para o isolamento, quando for solicitado pelas autoridades, mas se a questão for apenas o home office, depende de cada um tirar um momento do dia para respirar e se exercitar.
É bom trabalhar de casa. Estou desde 2015 neste regime e adoro. E digo pela experiência que o trabalho remoto exige organização, divisão entre vida profissional e privada, controle de distrações e atividade física nos momentos oportunos.
Será que os japoneses vão se adaptar, afinal?