“Até hoje tenho pesadelos”, estrangeira conta como foi sua detenção na Imigração de Tóquio

Photo by Alex Ronsdorf on Unsplash (imagem ilustrativa)

Alessandra Murakami*, de 29 anos, enfrenta problemas com a imigração japonesa há mais de dois anos.

Ela veio da Europa tentar a vida no Japão, depois de fugir de uma pessoa que a perseguia em seu país de origem. Ficou sem visto e deu entrada em um pedido de refúgio, que acabou negado depois de dois anos de espera.

Pega de surpresa em uma ida mensal ao Escritório de Imigração de Yokohama(província de Kanagawa), Alessandra acabou sendo detida e foi transferida para a Imigração de Shinagawa, em Tóquio, onde ficou por três semanas, entre setembro e outubro do ano passado.

A pandemia do coronavírus trouxe um alívio para os mais de 74 mil estrangeiros ilegais no Japão (segundo os dados de 2019 do Ministério da Justiça). No mês de abril, os escritórios de imigração de todo o país concederam liberdade provisória para 563 estrangeiros que estavam detidos. O número representa um terço de todas as liberações do último ano.

Em 2019, 1.777 estrangeiros deixaram os centros de imigração e a média era de 148 liberações por mês, conforme informou uma reportagem do jornal Sankei.

Alessandra, que foi liberada do centro de imigração por causa de uma doença intestinal grave e restrições alimentares, também passa por uma situação de alívio no momento.

“A última vez que eu fui na imigração, em abril, eles me deram autorização de três meses. Era para voltar em julho, mas ligaram para o meu responsável dizendo que não preciso ir por enquanto”, conta.

As medidas que beneficiaram os estrangeiros em situação irregular se devem a prevenção do novo coronavírus. Como os centros de imigração geravam aglomerações, o órgão decidiu liberar mais pessoas, a fim de evitar o contágio.

Depois de quase 10 meses desde que foi presa, Alessandra contou ao Japão sem Tarjas todos os detalhes do período em que esteve detida na Imigração de Shinagawa. “Foi humilhante, até hoje tenho pesadelos”, diz.

PRISÃO INESPERADA

Alessandra foi pega de surpresa em uma manhã de setembro do ano passado.

Por não ter visto, ela tinha que se apresentar uma vez por mês no Escritório de Imigração de Yokohama, onde assinava um papel e ganhava uma liberdade provisória (karihoumen) garantida para mais um mês.

Photo by Bill Oxford on Unsplash

pedido de visto de refúgio estava sendo avaliado e ela costumava ir até o escritório com um amigo, que é o seu responsável legal. No dia da prisão, no entanto, Alessandra estava sozinha.

“Lembro que naquele dia estava demorando mais do que o normal para eu ser atendida. De repente apareceram guardas e uma tradutora. Eles me levaram para uma sala à parte e a tradutora disse que o meu visto foi recusado e eu ia ser presa. Eu estava há dois anos esperando o resultado”.

Ela recebeu um casaco da imigração, foi algemada e levada pelos guardas até um hospital para um atendimento rápido antes de ser encaminhada ao Centro de Imigração de Shinagawa.

“Eu perguntei se era mesmo necessário, pois eu não estava representando perigo a eles. Foi humilhante entrar no hospital como uma criminosa, todo mundo me olhando. Se o meu visto foi negado, eu esperava que me dissessem que eu tenho até uma data para deixar o país e não que me prendessem desse jeito. Não sou criminosa, nunca tinha sido algemada na vida”, desabafa.

Desesperada, ela conta que pediu várias vezes para que o seu responsável legal fosse contatado, mas diz que os agentes negaram. “Eu tenho uma doença grave e se sumisse, meu amigo ficaria preocupado. Eles não me deixaram avisar, confiscaram a minha mochila e tudo que eu tinha trazido”.

responsável acabou descobrindo sobre a prisão cinco dias mais tarde, depois de ligar para os hospitais. Desconfiado de que ela poderia ter sido presa, ele foi até a imigração perguntar por ela e foi informado de que a Alessandra não estava lá. “Eles só contaram depois que ele disse que iria denunciar o meu desaparecimento para a polícia”, diz.

ROTINA NA IMIGRAÇÃO

Assim que foi presa, Alessandra teve a chance de avisar a Imigração sobre suas restrições alimentares. No entanto, depois de contar tudo o que não podia comer, ouviu dizer que era impossível preparar uma alimentação adequada para ela.

Vítima do estresse extremo e de uma alimentação inadequada, acabou sofrendo crises de dor por causa da doença.

“Não tinha quase nada que eu podia comer lá. Eu tentava, mas acabava passando mal, vomitava sangue. Uma hora eu simplesmente parei de comer e eles perguntaram o motivo. Eu disse que não adiantava comer e vomitar, eu estava passando mal e tinha muitas dores”, explicou.

rotina no Centro de Imigração era regrada, com horários de limpeza, espaço de convívio limitado e alguns horários livres. Ela dividia o quarto com um grupo de mulheres e precisava se levantar às 7h da manhã para executar a limpeza do quarto.

“Tínhamos que arrumar os ‘futons’ (colchão japonês), passar pano no chão e na pia, lavar o banheiro. Por volta das 8h ou 8h30, as guardas vinham inspecionar se estava tudo limpo”.

Alessandra conta que ficava sentada ao lado do lugar onde dormia, imóvel, com as colegas de quarto. “Duas guardas ficavam na porta e outras três entravam para inspecionar. Tínhamos uma pulseira com o nosso número e depois que elas olhavam tudo e saíam, podíamos finalmente relaxar”, relata.

Nos horários livres, era possível entrar nos outros quartos, dar telefonemas ou pegar sol no pátio.

“O pátio era pequeno, só dava para pegar sol mesmo. Para dar os telefonemas tínhamos que comprar um cartão e as refeições eram feitas dentro do quarto, entregues por uma janela. Uma vez por semana, o nosso quarto era encarregado da limpeza geral dos espaços em comum, tínhamos que lavar até as paredes”.

Por volta das 16h30, as detentas eram novamente trancadas em seus quartos, esperavam a janta às 17h e já não saiam até a manhã seguinte. Um pouco mais tarde, as luzes se apagavam e elas eram instruídas a dormir.

“Nos horários livres, éramos chamadas para receber visitas quando alguém aparecia. A visita ocorre em uma sala dividida por um vidro. Podemos ver e conversar, mas não podemos tocar ou abraçar o visitante. Também éramos chamadas para entrevistas, quando um agente da Imigração nos pressionava a assinar a deportação”, conta.

Como estava em um estado de saúde deplorável, Alessandra conta que tentou explicar aos agentes que não estava em condições de pegar um avião, fazer escalas e voltar ao país de origem. Precisava de tratamento médico urgente.

Photo by Alex Iby on Unsplash (imagem ilustrativa)

COLEGAS DE CELA

Nas três semanas em que passou em detenção, Alessandra ouviu todo o tipo de histórias das tantas mulheres, de nacionalidades diferentes, que dividiam o mesmo espaço.

“Tinham mulheres que foram presas por causa de drogas, perderam o visto, saíram da prisão e foram jogadas lá. Ouvi até casos de assassinas que estiveram lá, mas no tempo que passei detida, lembro que só tinham mulheres envolvidas com drogas mesmo”, relembra.

Entre as histórias, Alessandra conta que se compadecia dos casos de mães que estavam presas porque se recusavam a sair do Japão e deixar os filhos para trás.

“Teve um caso que chamou a minha atenção, de uma filipina no meu quarto que tinha o marido e os três filhos, todos ilegais. Ela foi presa e o marido estava solto cuidando das crianças. Ela contava que queria ir embora, mas os agentes não deixavam, diziam que ela só podia ir embora se a família toda fosse. Ela já estava presa há dois anos”.

As histórias de outras detentas fez Alessandra chegar à conclusão de que muitas prisões acontecem para pressionar a família toda a deixar o país.

“No caso dessa filipina, ela estava convencida de que tinha sido presa por supostamente ser mais importante na criação dos filhos. A imigração não pode prender as crianças, então deixou o pai solto, tentava pressiona-los, mas eles não queriam ir embora, os filhos estavam estudando e gostavam da escola no Japão”.

Outros casos que chamavam atenção eram de pessoas doentes.

“Tinham algumas pessoas com retardo mental, dava para notar. Elas não deveriam estar presas lá, deveriam estar em algum lugar para serem ajudadas. Tinham algumas pessoas doentes sem tratamento, como uma colombiana com câncer, que não tinha ninguém por ela e então eles não soltavam”, revela.

DIA DA LIBERAÇÃO

Quando já estava padecendo por causa da doença, as crises de dores e a alimentação inadequada, Alessandra finalmente ganhou uma liberação e deixou o Centro de Imigração após o pagamento de uma fiança de ¥50 mil.

Photo by Lucas Lenzi on Unsplash (imagem ilustrativa)


“Eu ouvia que era mais fácil sair de lá quando você tem uma doença e tem alguém por você do lado de fora. No meu caso, eu tinha o meu responsável, o advogado e vários amigos. Eles me ouviam falando no telefone, relatando o que estava acontecendo. Via moças lá dentro com situação de doença grave e negligência, se acontecesse algo com elas, não teria ninguém para pedir satisfações”, explica.

Alessandra acha que conseguiu a liberação justamente por ter pessoas lutando por ela do lado de fora. Em uma das entrevistas, ela diz que perguntou aos agentes se eles estavam preparados para assumir a responsabilidade caso ela morresse lá dentro.

“No mesmo dia o meu responsável recebeu uma ligação para que trouxesse os meus documentos médicos que eu seria solta. Eles ficam com medo de escândalos, então soltam”, conta.

Desde então, nunca mais foi detida, mas o medo de passar pela experiência de novo surge todas as vezes em que precisa se apresentar na imigração.

Este ano, ela chegou a buscar bilhetes para voltar ao seu país de origem, mas por causa da pandemia do coronavírus, acabou impossibilitada de viajar. Agora, tenta decidir entre buscar uma forma de regularizar a situação do visto no Japão ou deixar o país quando a pandemia passar.

“Eu acho que não há respeito nenhum por nós e o Japão é um dos piores países para estar ilegal. A detenção é igual a uma prisão ou ainda pior, somos humilhados e negligenciados. E nos prendem mesmo se estivermos fazendo tudo direitinho, só por causa de não ter um visto”.

*Nome fictício para proteger a identidade. A nacionalidade não foi revelada a pedido da entrevistada.

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Autor: Ana Paula Ramos

Jornalista e escritora, Ana tem sete anos de experiência no Japão, atuando como repórter na comunidade brasileira e como freelancer. Ela é a fundadora do Japão sem Tarjas e criadora do grupo ambiental "Por que você também não faz?". Em outubro de 2020, publicou o primeiro livro, "O Oitavo Andar", um suspense que se passa na cidade de Gramado. Em 2022 publicou o segundo livro, "O Diário da Minha Vida Ingrata", uma fantasia criada a partir de uma história real.

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