Brasileira luta pelo marido japonês, acamado após acidente: “A família desistiu dele”

Roselli Santos Aparecida e o marido M., dias depois de acordar do coma (arquivo pessoal)

A brasileira Roselli Santos Aparecida, de 48 anos, foi feliz ao lado do marido japonês, M.*, por um total de quatro meses.

Eles se casaram em maio de 2018 em Kanagawamas o destino não permitiu que aproveitassem a vida matrimonial por muito tempo.

No dia 21 de setembro daquele ano, M. sofreu um grave acidente de moto, enquanto saia de um trabalho para outro, um pouco depois das 22h de uma noite chuvosa.

Depois de ser reanimado no hospital e ter escapado da morte por muito pouco, ele passou quase um mês em coma e os médicos não acreditavam que iria acordar.

Roselli contou ao Japão sem Tarjas que fez muitas orações pelo marido e sente que algumas de suas preces foram atendidas. M. acordou do coma, mas desde então, só mexe do pescoço para cima, quase não tem voz e se comunica com muita dificuldade.

A brasileira acredita que o marido possa ter novos avanços em seu quadro de saúde se receber um tratamento adequado, mas vem enfrentando inúmeras dificuldades, principalmente com a família dele, a mãe idosa e a irmã.

“A família não quer tentar nada. O deixaram em um hospital que funciona como asilo, onde ele passa o dia sob o efeito de remédios fortes. Eu pedi para trocar de hospital, procurar um lugar que ele possa ser tratado e eles não querem. Também não aceitam que eu cuide dele em casa”, desabafou.

Diante do estresse, conflitos e desespero por não conseguir fazer nada, mesmo na condição de esposa, Roselli confessa que já pensou em desistir. “Eu já pensei em largar tudo e ir embora, mas não consigo. Não posso fazer isso com ele, eu casei com ele porque o amo e preciso encontrar uma forma de ajudá-lo”.

Veja os detalhes desta triste história, que começou há mais de dois anos, acumulou mais derrotas do que vitórias e parece muito distante de um final feliz.

CASAMENTO E ACIDENTE

Roselli e M., meses antes do acidente (arquivo pessoal)

Roselli chegou ao Japão em maio de 2017, depois de uma década vivendo no Brasil.

Em junho daquele mesmo ano, foi apresentada a M. por amigos em um bar. Pai de uma adolescente e viúvo, o japonês conquistou a brasileira pelo jeito brincalhão e carinhoso, cheio de vida.

Os dois logo se apaixonaram e começaram a namorar. M. estava desempregado na época, mas logo foi morar no dormitório onde Roselli estava alojada.

Pouco tempo depois, ela foi apresentada para a família e conta que foi muito bem recebida. Quando a mãe, a irmã e a filha souberam do casamento, ficaram felizes por eles.

“Quando nos casamos em maio de 2018, ele estava trabalhando em dois empregos em Kawasaki, para dar conta de pagar as despesas e as dívidas que tinha. Ele entrava no primeiro emprego às 16h e saía 22h, depois ia para o outro, que começava às 23h e terminava 10h ou 11h da manhã”., contou.

Entre a casa, um emprego e outro, M. transitava de moto. E depois de quatro meses de casado e com a vida agitada entre dois empregos, sofreu o acidente que acabou por transformar sua vida.

“Eu nunca vou esquecer daquele 21 de setembro. Ele chegou em casa meio-dia e eu disse para ele dormir. Ele estava cansado e precisava sair às 15h. Ele enrolou até 14h, dormiu muito pouco e quando estava se preparando para sair, eu disse para ele descansar, ficar em casa. Ele não me ouviu”.

M. pegou a moto e foi ao primeiro emprego. Quando terminou o trabalho por volta das 22h, ligou para Roselli.

“Ele costumava me ligar neste horário, para dizer que estava tudo bem. Como sempre foi muito brincalhão, fez palhaçada, disse que queria que eu ficasse acordada esperando ele voltar”, relembra.

Quando partiu rumo ao segundo emprego alguns minutos depois do telefonema, acabou sofrendo o acidente ao ser atingido por um carro.

Naquela madrugada, Roselli recebeu primeiro a ligação da sogra, que disse que M. havia morrido.

“Eu entrei em desespero, fiquei maluca. Depois a polícia me ligou e disse a mesma coisa, que ele tinha morrido, que era para eu ir ao hospital. Eu cheguei lá e eles falaram para mim que meu marido foi reanimado, que chegou sem respirar no hospital”.

Nervosa e ansiosa por notícias, Roselli foi conduzida ao quarto do marido e o viu em coma.

“Os médicos disseram que não sabiam até quando ele iria viver. Eu comecei a brigar com eles, disse que era tudo mentira, que o meu marido não podia morrer. Ele estava muito inchado, eu comecei a gritar no ouvido dele, perguntei porque ele tinha feito isso comigo. Estava desesperada”, contou, emocionada.

Desde então, a brasileira tem sofrido um drama que envolve luta e esperança. Ao mesmo tempo, tem passado por uma série de obstáculos e dificuldades para fazer valer seus direitos de esposa e para conseguir que o marido não fique sem tratamento.

LUTA

Aniversário de 51 anos de M., ocorrido três dias após a volta do coma em 2018 (arquivo pessoal)

Quase um mês após o acidente, as esperanças de Roselli foram renovadas. Ela conta que o marido acordou de forma repentina no dia 15 de outubro, enquanto falava com ele.

“Eu comecei a falar com ele e ele abriu os olhos. Os médicos ficaram felizes, até a enfermeira chorou. Eles não acreditavam. Eu não sabia se ele lembrava de mim, estávamos casados há pouco tempo. Enchi o quarto de fotos nossas e depois gravei um vídeo pedindo um beijo. Ele fez um bico, aquilo me impressionou”.

Logo depois dessa pequena vitória, no entanto, os problemas se intesificaram, até que a situação evoluísse para um conflito maior com a família de M.

A brasileira conta que abriu a casa para receber a família do marido, tinha quarto de visitas e pediu que eles ficassem a vontade, por quanto tempo quisessem.

“Foi então que eles vieram e a mãe dele me perguntou se eu tinha o cartão do banco dele. Eu disse que não, que devia estar na carteira dele. A irmã começou a mexer nas coisas dele e me perguntou se eu sabia a senha, eu disse que não. Cada um tinha o seu próprio dinheiro”.

Até então, Roselli conta que não se interessava pela questão financeira do marido e sequer sabia sobre seguro no Japão, o que ele receberia em decorrência do acidente.

“Começou a chegar um monte de cartas no nome do meu marido da empresa de seguro. Só que ele era pobre, pagava por mês o apartamento que comprou com a esposa falecida e tinha dívidas, por isso estava trabalhando em dois empregos”.

A briga começou quando Roselli traduziu as cartas e descobriu que a mãe do marido estava ganhando quantias altas de seguro pelo acidente do filho.

“Quem sofreu o acidente foi ele e não ela, não era justo que ela ficasse com tudo, enquanto ele está lá abandonado, sem chance de fazer tratamento, sem nenhum estímulo para reagir”, desabafou.

DESAVENÇAS

Enquanto a família de M. recebia parcelas do dinheiro que ele teria direito pelo acidente, Roselli buscou ajuda de um advogado e conseguiu algumas providências, como garantir o direito de ficar no apartamento e impedir que os parentes do marido a perturbassem em casa.

Desde então, a brasileira tem protagonizado uma luta para que o marido receba um tratamento adequado, mas não consegue tomar as decisões e não tem acesso ao dinheiro que poderia ser utilizado para tentar uma recuperação.

Parte do problema com a família se deve às baixas expectativas dos médicos, que falaram que M. nunca mais vai andar e não acreditam na possibilidade de recuperação, mesmo que mínima. Sendo assim, a família tomou a decisão de transferi-lo para um local que mais funciona como um asilo.

Por ser estrangeira, ter dificuldade com o idioma e menor conhecimento sobre o sistema, ela acredita que acabou sendo passada para trás e que a família se conformou com a situação. “Eu não aceito isso, essa frieza. Estou nem aí se isso é cultura. Que cultura é essa que larga um ser humano deste jeito? Ele voltou do coma porque quer viver, quer lutar pela vida”, diz.

Sem o apoio da família e sem estímulos no lugar onde se encontra, M. pede que Roselli o ajude.

Em um vídeo gravado por ela durante uma chamada com o marido, ele balbucia para que a esposa faça algo “mais rápido” para “salvá-lo”.

Veja o vídeo aqui: Roselli fala com o marido

“O hospital que ele está é horroroso, parece que todo mundo lá está só esperando pela morte. Eu fiquei apavorada quando fui visitar na primeira vez, então pedi que levassem para a minha casa, mas não o deixassem ali. Ninguém quer me ouvir”.

Roselli acredita que, se fosse no Brasil, o marido já poderia ter obtido vários resultados com um tratamento adequado.

“Aqui eles não tentam fazer nada. Eu queria que ele pelo menos ficasse na cadeira de rodas, que saia do respirador, ele não precisa mais. Só que não posso decidir nada e a família não quer gastar o dinheiro dele com ele, para que ele faça um tratamento digno”.

De mãos atadas com a situação do marido, Roselli conta que está a ponto de sofrer um colapso nervoso. Há duas semanas, ela perdeu o pai no Brasil, mas sequer pôde visitá-lo enquanto estava doente. “Se eu sair do Japão, a família vai alegar abandono então não posso sair daqui”.

Agora, ela busca por advogados que possam ajudar a rever seus direitos e verifica como pode tirar o marido da instituição onde está, para que ele tenha melhores chances de recuperação.

“Imaginem a minha situação de ir ao hospital e vê-lo estressado, tendo convulsões, dopado de remédios. Aqui nem psicólogo e terapeuta eles oferecem. Está muito difícil lidar com essa situação de descaso”, desabafa.

*Por causa da situação delicada de saúde, a entrevistada prefiriu não expor o nome ou rosto do marido.
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Autor: Ana Paula Ramos

Jornalista e escritora, Ana tem sete anos de experiência no Japão, atuando como repórter na comunidade brasileira e como freelancer. Ela é a fundadora do Japão sem Tarjas e criadora do grupo ambiental "Por que você também não faz?". Em outubro de 2020, publicou o primeiro livro, "O Oitavo Andar", um suspense que se passa na cidade de Gramado. Em 2022 publicou o segundo livro, "O Diário da Minha Vida Ingrata", uma fantasia criada a partir de uma história real.

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