Três brasileiros que sofreram discriminação procuraram a ajuda dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça do Japão, mas acabaram frustrados e desencorajados.

O brasileiro Mauro R. S. e a esposa Megumi Yamaguchi estavam prontos para conhecer um apartamento vago em Tóquio, que haviam gostado e pretendiam se mudar.
Depois de uma conversa breve em japonês por e-mail, Megumi marcou com a imobliária na região de Koto para visitar o apartamento desejado. No entanto, quando falou com o representante por telefone e contou que o marido era estrangeiro, a conversa mudou.
“Eles falaram que seria difîcil e cancelaram a visita. Quando a minha esposa contou, eu não aceitei. Liguei de novo e a pessoa que atendeu foi extremamente mal educada, disse que não podia atender estrangeiro, que não podia fazer nada, pois o dono não queria.”
Não ficou claro se ela se referia ao dono da imobiliária ou ao proprietário do apartamento em questão. Porém, a imobiliária não ofereceu outras opções de apartamento, apenas negou o serviço ao casal.
Inconformado, Mauro procurou o serviço de atendimento aos Direitos Humanos, oferecido pelo Ministério da Justiça do Japão com tradução em dez idiomas, incluindo português.
Nos manuais divulgados pelo Ministério, inclusive em língua portuguesa (veja aqui), o serviço promete tomar providências para ajudar os estrangeiros discriminados, como mediar o diálogo, recomendar consulta jurídica ou solicitar melhorias ao local que discriminou.
Na prática, no entanto, tem deixado a desejar.
Quando ligou para o número divulgado pelos Direitos Humanos, Mauro conta que foi atendido em português por uma intérprete simpática, que tomou notas durante dez minutos sobre a situação, antes de encaminhar a ligação para o Escritório dos Direitos Humanos em Tóquio.
Quando foi atendido por um japonês do Escritório, o brasileiro diz que passou uma hora explicando detalhes e tentando ver o que poderia ser feito, mas ouviu o funcionário dizer que a situação “não parecia um problema”.
“Ele perguntou o que eu queria fazer. Disse que se o dono do apartamento não quer alugar para estrangeiro, ele não poderia fazer nada, pois o dono escolhe para quem quer alugar. Eu disse que ficou claro que era discriminação e que foi por parte da imobiliária e não diretamente do dono. Eu queria que eles fossem advertidos ou penalizados”.
Mauro questionou se poderia registrar uma denúncia formalmente ou enviar uma carta para a imobiliária, mas nenhuma dessas providências foram encorajadas.
“Eles me disseram ainda que era complicado, que podiam ligar, mas que se a imobiliária não confirmasse a história não poderiam fazer a denúncia. Quando sugeri que mandassem uma carta de alerta, para que eles pelo menos saibam da reclamação, ele voltou a dizer que não podia fazer isso se eles não confirmassem o ocorrido”.
A conversa foi encerrada sem que a denúncia fosse registrada. O funcionário não perguntou o nome dele ou da imobiliária em questão.
No fim das contas, o brasileiro acabou desistindo de lutar pelos seus direitos. “Ficou muito claro para mim que eles estavam tentando desencorajar a denúncia”, disse.
A reportagem da página Japão sem Tarjasligou para o serviço telefônico divulgado no material informativo do Ministério da Justiça.
O funcionário dos Direitos Humanos que atendeu a ligação (nome não divulgado) explicou que casos como o do Mauro, não são considerados discriminação pela lei japonesa.
“Pela lei do Japão as imobiliárias e os proprietários dos imóveis são livres para fechar contrato com quem eles quiserem, então recusar estrangeiro não é ilegal. Nós investigamos e notificamos quando se trata de um caso ilegal”
A explicação contradiz o material escrito do Ministério da Justiça, que aconselha aos estrangeiros a “não sofrerem sozinhos”, buscando o serviço quando passarem por problemas como recusa para alugar um apartamento.
DISCRIMINAÇÃO NO HOSPITAL
Paulo Dias dos Santos Junior e a esposa Valeria Esperendi Dias vieram ao Japão em busca de melhores condições de vida, mas acabaram com as expectativas frustradas.
Os problemas do casal brasileiro começaram depois que Paulo desenvolveu uma hérnia de disco por conta do trabalho pesado em uma fábrica de bancos para automóveis em Saitama.
Ele acabou demitido e entrou com um pedido de indenização no Ministério do Trabalho, concedido após a confirmação do caso como acidente de trabalho.
O brasileiro conta que o Ministério indicou um hospital grande na cidade de Kawagoe, também em Saitama, para que ele fizesse o tratamento da hérnia.
O casal passou a frequentar o hospital com a ajuda de uma interpréte por telefone, mas conta que tem sofrido discriminação. Os médicos recusam a operar, não tentam entender o problema do paciente e chegaram a mentir que não tinha reabilitação no hospital.

“O Paulo sente muita dor na coluna e não consegue fazer nada. Eles fazem uma ressonância e dão um remédio, não perguntam nada. Quando o efeito passa, a dor volta e eles não querem operar”, conta Valeria.
A gota d’água foi em uma consulta em que o brasileiro perguntou se tinha reabilitação no hospital, pois sentia muitas dores. “O médico disse que não tinha, mas uma enfermeira entrou na hora e disse que tinha no segundo andar. O médico disse para ela ficar quieta, que estrangeiro daria trabalho por não falar o idioma”, revelou.
A intérprete que atendia o casal (nome não divulgado) contou que ficou espantada com a mentira do médico.
“Eu achei muito feio ele mentir, além de ingênuo. Era óbvio que tinha reabilitação em um hospital grande como aquele. E qual o problema de não falar o idioma? Se for um paciente que sofreu derrame e não pode se comunicar também, eles vão negar a fisioterapia?”, questionou.

O caso fez com que o casal procurasse a ajuda dos Direitos Humanos. Depois de uma conversa por telefone, eles foram pessoalmente ao escritório em Kawagoe, em busca de ajuda para lidar com a discriminação que sofreram no hospital.
“O senhor que nos atendeu lá disse que não podíamos fazer nada, que não podíamos obrigar o médico a pedir desculpas, que era assim mesmo”, conta Valeria.
Segundo as informações da intérprete, o funcionário foi atencioso ao ouvir a situação deles, mas não encorajou nenhuma atitude contra o hospital.
“Ele disse que ele também teve hérnia e tem médicos que são bons e outros ruins, que é assim mesmo. Ele chegou a pesquisar na internet o nome do médico, mas não encontrou informações. O senhor disse que era melhor o Paulo cuidar da saúde dele, que agir contra o hospital não daria em nada”, explicou.
TRABALHO NEGADO
O atendimento telefônico dos Direitos Humanos também frustrou o brasileiro Julio Cesar Pereira, que ficou conhecido como o taxista poliglota de Osaka e contou sua história de discriminação laboral no Japão em uma matéria aqui na página.

Julio também possui uma experiência frustrante com o serviço do Ministério da Justiça, que deveria combater a discriminação e não agir de forma omissa.
O brasileiro, que está há mais de 20 anos no Japão, conta que procurou o serviço em 2006, quando recebeu um tratamento diferente ao tentar uma vaga como guarda de construção na cidade de Hirakata (Osaka).
“Eu estava em dificuldades na época e era um trabalho simples, que poderia quebrar o galho. Quando fui me candidatar, logo percebi que estava recebendo uma orientação diferente. Os japoneses deveriam voltar na manhã seguinte, mas para mim disseram que eu tinha que conseguir um atestado de antecedentes criminais na polícia para trabalhar ali”, explicou.
Julio disse que não desistiu da vaga, foi na polícia atrás do atestado, mas acabou descobrindo que o órgão não emite esse documento.
“A polícia me disse que essa história de antecedentes criminais não existe, que não estavam querendo me contratar. Eu fiquei indignado e resolvi procurar ajuda dos Direitos Humanos, mas eles me falaram que isto não era discriminação.”
O brasileiro conta que ficou furioso, questionou o funcionário sobre o que era discriminação, já que ser tratado diferente dos japoneses, apenas por ser estrangeiro, não era. “A pessoa que me atendeu ficou quieta e eu vi que estava perdendo meu tempo. Vi que não estavam querendo me ajudar, queriam me convencer de que eu tinha entendido errado”, relembra.
Sem um apoio ou um aconselhamento apropriado para tomar providências, Julio acabou desistindo do caso.
“Eu esperava que os Direitos Humanos fizessem o que eles pregam fazer, que é defender os direitos humanos. Eu queria que ligassem para aquela firma, eu estava precisando do emprego. Pensei que eles poderiam ser punidos por discriminação, mas nada aconteceu”, diz.
DIREITOS HUMANOS PARA QUEM?

O Japão não possui leis nacionais que proíbam a discriminação contra estrangeiros, mas se vale da “Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial”, o tratado firmado em 1969 e aderido por 18 países.
O Japão se tornou membro em 1995, mas a falta de medidas mais duras para combater a discriminação no país mostra que o apoio legal atual pode ser insuficiente para lidar com casos comuns aos estrangeiros residentes.
Segundo o representante do Centro de Informação Anti Racismo (ARIC), Ryang Yong-Song, o serviço de direitos humanos do governo japonês enfrenta críticas frequentes de estrangeiros que buscam por ajuda e acabam desencorajados.
“O serviço do Ministério da Justiça tem uma avaliação péssima. Eles mostram que não há interesse em combater casos de discriminação e desrespeito aos direitos humanos.”, diz.
Para Ryang, os estrangeiros que receberem um atendimento ruim, a ponto de ouvir o funcionário negar que o caso se trata de discriminação, devem procurar gravar a conversa.
“É inaceitável que o governo japonês, sabendo que é racismo, negue um caso de racismo. Se houverem provas, podemos levar a questão para a mídia e tornar o caso público”. sugere.
A ARIC reúne um banco de dados com manifestações de ódio contra estrangeiros, praticadas por figuras públicas, políticos, famosos e até professores universitários japoneses. (Veja aqui, apenas em japonês)
A entidade, que iniciou suas atividades em 2015 no Japão, registrou quase 6.800 casos até julho deste ano e continua apurando informações, além de orientar os estrangeiros que buscam por aconselhamento.
“Eu acredito que o governo japonês não tem interesse em questões de direitos humanos. A cultura de lutar contra o racismo é fraca em comparação com outros países. O governo precisa criar leis que proíbam o racismo contra os estrangeiros residentes”, explicou.
O funcionário dos Direitos Humanos que atendeu a reportagem por telefone, disse que o órgão considera como discriminação apenas os casos que violam a lei japonesa e não se limitam aos estrangeiros.
“Se a pessoa for recusada a um serviço básico, como luz e água por exemplo, é contra a lei e isto não se limita aos estrangeiros. Ou se uma pessoa for agredida na rua por ser estrangeira, consideramos como discriminação, pois isto é contra a lei.”, afirmou.