O desespero de mães solteiras afetadas pela pandemia no Japão. “Faço uma refeição a cada dois dias”

Impacto econômico tem provocado o suicídio de mulheres no Japão (Imagens ilustrativas)

O Japão tem registrado números baixos de mortes por coronavírus em comparação à outras nações. No entanto, o país vem enfrentando um problema que se agravou com a pandemia: o suicídio, principalmente de mulheres.

Neste contexto, quem vem sofrendo mais são as mães solteiras.

As organizações que oferecem apoio às mulheres vêm jogando os holofotes sobre as mães que criam os filhos sozinhas e estão se virando em uma situação extrema com a crise provocada pela pandemia.

O jornalista de causas humanitárias, Norifumi Mizoue, explicou ao portal Daily Shincho (veja aqui) como a situação dessas mulheres tem se agravado desde que o Japão entrou em estado de emergência, em abril deste ano.

“A pandemia atingiu principalmente os setores de turismo e restaurantes. Muitas mulheres que trabalhavam nessas áreas foram duramente afetadas. Quando a pandemia acabar não teremos uma previsão de recuperação rápida da situação de empregos”, afirmou.

A situação de desemprego, perda de renda e dificuldade de recuperação tem sido um fardo enorme principalmente para as mães solteiras.

“Muitos restaurantes fecharam as portas e vários tiveram que reduzir o horário de atendimento e o quadro de funcionários. Houve demissões e mesmo frequentando a Agência de Empregos (Hello Work), muitas não conseguem encontrar um novo trabalho. Sem emprego e renda, algumas mães solteiras acabam cogitando o suicídio”, explicou.

Os dados divulgados pela Agência Nacional de Polícia e do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-estar Social mostram uma situação alarmante no Japão.

Em agosto, 1854 pessoas tiraram a própria vida no país, o que representou um aumento de 15,7% em relação ao mesmo período do ano passado.

No caso das mulheres, foi ainda pior. O registro de 651 suicídios no mesmo mês mostra um aumento de 40,1% com relação aos dados de agosto de 2019.

DIFICULDADES

Photo by Rainier Ridao on Unsplash (imagem ilustrativa)

Chieko Akaishi, presidente da NPO (Organização sem Fins Lucrativos) Single Mother Forum, contou um pouco do drama que as mulheres têm enfrentado com a pandemia.

“Além da perda do emprego e renda, muitas mães solteiras tiveram que incluir no orçamento doméstico a refeição que as crianças faziam na escola. Em março, enviamos arroz para cerca de 1200 famílias e recebemos mensagens de agradecimento de mães que contaram a alegria dos filhos de ter arroz para comer. É muito triste”, disse.

Desde outubro, a NPO vem ajudando 2.135 famílias com o envio de alimentos.

“A situação continua a piorar, mas as notícias só falam sobre como o home office ajudou a melhorar as condições de trabalho no país ou do sucesso da campanha turística Go To Travel. Enquanto isso, vimos os auxílios trazerem um pequeno alívio, mas precisamos batalhar por mais ajuda”.

Akaishi vem acompanhando o grito de socorro de muitas mães que tem feito inúmeros sacrifícios por causa da situação financeira em que se encontram.

“Há mulheres que estão trabalhando apenas uma ou duas vezes por semana. Ouvimos relatos de casos em que o filho pode fazer duas refeições por dia, enquanto a mãe faz uma a cada dois dias. Atendemos uma mãe que está usando o banheiro de um parque para economizar água, é desesperador”.

As aulas remotas também trouxeram dificuldades, já que muitas dessas famílias não possuem um computador ou uma máquina mais moderna para rodar aplicativos de reuniões como o Zoom e não há dinheiro para comprar.

“Com todos esses problemas, as mães solteiras se sentem pressionadas e isoladas e isto está diretamente relacionado ao suicídio. Muitas confessam para nós que se sentem tão cansadas de suas vidas que quando percebem, estão verificando por horas seguidas sites sobre suicídio”, relatou.

Houve um aumento de 1.200 consultas com pedidos de socorro desde abril e não há sinais de melhora até o momento.

CASOS DE COLEGIAIS

Photo by Stephanie Hau on Unsplash (imagem ilustrativa)

Além das mães solteiras, há o registro ainda do aumento de casos de suicídio entre meninas adolescentes, estudantes dos chamados “koukou” (escolas de ensino médio no Japão).

Os dados do Ministério da Saúde e do Centro de Apoio à Vida e Prevenção do Suicídio mostram que, em agosto, 22 meninas tiraram a própria vida.

O número é sete vezes maior do que o dado de agosto de 2018, quando três meninas nessa faixa etária cometeram suicídio.

Para o psiquiatra Hideki Wada, as mortes de estudantes colegiais podem estar relacionadas com as notícias recentes de suicídio entre pessoas famosas.

“Quando pensamentos no aumento de mortes de colegiais, é difícil não relacionarmos ao ‘efeito werther’. Este fenômeno se refere ao pico de suicídios depois que um caso é divulgado e gera grande repercussão na mídia, como aconteceu com muitos famosos nos últimos meses”, explicou.

Em maio, o país foi surpreendido pela notícia do suicídio da jovem Hana Kimura, lutadora japonesa e participante do reality show Terrace House. Em julho, a morte do ator Haruma Miura abalou o país.

Logo depois, houve ainda o registro do suicídio da atriz Sei Ashina, o ator Takashi Fujiki e a atriz Yuko Takeuchi.

“Um exemplo disto ocorreu em 1986, quando a cantora Yukiko Okada tirou a própria vida, levando a uma série de suicídios copiados, principalmente entre estudantes do ginásio. Acredito que a morte do Haruma Miura tenha afetado principalmente as colegiais, pois ele tinha muitas fãs nesta faixa etária”, diz.

PANDEMIA

Photo by Zhang Kenny on Unsplash (imagem ilustrativa)

A disseminação do coronavírus se tornou uma ameaça mundial, mas no Japão, há outros fatores igualmente preocupantes.

Para o diretor assistente do Centro Médico de Hamamatsu e especialista em doenças infecciosas, Kunio Yano, o cenário atual vai além do que poderia ter sido estimado no início da pandemia.

“Podemos estimar um aumento do suicídio como consequência de um interrompimento das atividades sociais e econômicas, mas não imaginávamos que isto causaria tanta pressão psicológica sobre os jovens, provocando um maior número de mortes”, disse.

Os dados gerais mostram que o suicídio pode ter se tornado uma questão de saúde ainda mais grave do que o coronavírus.

“Há mais pessoas pressionadas pela questão econômica e social do que vítimas fatais de coronavírus no Japão. Em vez de incentivar um temor extremo por causa da pandemia e a economia, é mais importante manter o foco nas possibilidades de retorno das atividades sociais e econômicas de uma forma positiva”, sugere.

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Autor: Ana Paula Ramos

Jornalista e escritora, Ana tem sete anos de experiência no Japão, atuando como repórter na comunidade brasileira e como freelancer. Ela é a fundadora do Japão sem Tarjas e criadora do grupo ambiental "Por que você também não faz?". Em outubro de 2020, publicou o primeiro livro, "O Oitavo Andar", um suspense que se passa na cidade de Gramado. Em 2022 publicou o segundo livro, "O Diário da Minha Vida Ingrata", uma fantasia criada a partir de uma história real.

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