
Giovana I. é pedagoga, mora com o marido e os filhos no sul do Japão, e está há meses tentando resolver um problema sério: as agressões físicas e verbais que sua filha de seis anos vem sofrendo em uma escola japonesa.
A menina (nome não divulgado) começou a frequentar a escola em maio, depois do período de suspensão de aulas por causa da pandemia do coronavírus.
Logo na primeira semana, passou a sofrer agressões verbais de meninos mais velhos, também brasileiros, que faziam parte do grupo de alunos que vão juntos para a escola. (No Japão, não há o costume de os pais levarem os filhos para a escola, as crianças vão em grupos de alunos e voluntários).
“Os meninos a chamavam de burra, gorda, baleia. Primeiro no caminho para a escola e depois dentro da escola. Sempre os mesmos meninos, a maioria deles é brasileiro”, contou Giovana ao Japão sem Tarjas.
O problema, que poderia ter sido resolvido com orientação de pais e alunos, acabou se transformando em uma bola de neve. Mais de três meses depois, permanece sem solução.
“Eu falei com a escola, pedi para chamarem os pais, mas eles disseram que não era procedimento da escola fazer isso. Disseram que se eu quisesse, teria que ir atrás dos pais para resolver, que eles só podiam ligar. Eles sabem que é errado e estão sendo omissos”.
AGRESSÕES FÍSICAS
O bullying sofrido pela menina brasileira acabou se intensificando, até se transformar em agressões físicas.
Giovana conta que, em julho, os garotos empurraram sua filha, que caiu e machucou o joelho. Ela acabou ficando sem ir para a escola alguns dias por causa do machucado e a situação.
Dias depois, as mesmas crianças jogaram uma pedra nas costas dela. “Ela ficou machucada e não queria ir para a escola. Depois as ofensas e xingamentos voltaram”, conta Giovana.

Sem saber como proteger a filha, Giovana buscou a ajuda do Departamento de Educação da cidade, junto com a prefeitura local.
“Fizeram uma reunião na escola e eu repeti tudo que estava acontecendo. Eles ouviam e não diziam nada, só que iam entrar em contato com os pais”.
Depois da reunião, houve mais um episódio de agressões verbais e a menina passou a dizer que não queria mais ir para a escola.
“Eu consegui descobrir onde uma dessas crianças mora e fui lá com o meu esposo. Os pais disseram que não sabiam de nada do que o filho fazia, a escola nunca entrou em contato com eles. Também disseram que era difícil controlar os filhos e nada foi resolvido”
SEM SAÍDA

Outro problema que a família brasileira vem enfrentando na escola é o comportamento da intérteprete, que tem o papel de fazer a ponte de comunicação entre a direção, os educadores, pais e alunos estrangeiros.
“Todas as vezes que eu fui lá cobrar uma solução, eles chamaram as crianças envolvidas e as fizeram pedir desculpas na minha frente. A intérprete induzia as crianças a dizerem que foi sem querer. Ninguém agride ninguém sem querer e só pedir desculpas não resolve o problema”.
Mesmo com o bullying, a menina não teve dificuldades de fazer amigos em sua turma, mas teme a presença dos garotos.
Seja por conta das agressões ou pela dificuldade com o idioma, já que a família chegou do Brasil há menos de um ano, ela também não tem conseguido acompanhar as aulas.
Para Giovana, resolver a questão das agressões, para que a filha possa se dedicar aos estudos com tranquilidade, é prioridade.
“Está muito na cara que eles querem empurrar para debaixo do tapete e modificar a situação. Querem fazer parecer que não é bullying nem perseguição, que é algo que acontece por acidente”, relatou.
Sem conseguir resolver o problema, Giovana espera que a escola dê uma resposta depois de várias conversas e reuniões com a direção. Se nada mudar, no entanto, a família cogita denunciar o caso à polícia.
“Na semana passada, aconteceu de novo. Ela foi chamada de gordinha e os meninos falaram que iam pegar os galhos da árvore para corta-la e fazer feijoada. A escola fez os garotos pedirem desculpas de novo e ficou por isso mesmo”, lamentou.
Além de todas as frustrações, a brasileira conta que a dificuldade de entender o sistema, saber que órgãos pode acionar e que atitudes pode tomar, dificulta ainda mais a situação.
“Aqui nada se resolve. Eu não estou sendo eu, não sei como agir nem como proceder. Eu perco a minha personalidade. Ela voltou das férias de verão há pouco tempo e foi xingada já no primeiro dia de aula. A gente fica sem saber o que fazer”, desabafou.
Enquanto a escola não toma uma atitude mais energética para combater o bullying, quem sofre é a vítima, que fica sujeita a problemas como de relacionamentos interpessoais, baixo desempenho escolar e baixa autoestima.
“Quem tem o filho agressor deita e dorme tranquilo, pois o filho chegou bem da escola. Quem não dorme é quem está sendo agredido. A criança não quer ir para a escola, os pais ficam preocupados. É importante que os pais se coloquem no lugar de quem está sofrendo”, sugeriu.
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(Matéria publicada em 6 de setembro de 2020)