Falta de preparo ou má vontade?

O brasileiro Paulo Dias só queria tratar uma hérnia de disco, desenvolvida durante o trabalho pesado em uma fábrica de bancos para automóveis em Saitama.
Depois de confirmar o caso como acidente de trabalho junto ao Ministério do Trabalho, Paulo foi recomendado pelo próprio ministério que iniciasse o tratamento em um hospital na cidade de Kawagoe.
Por não saber o idioma japonês, Paulo e a esposa Valeria Esperendi passaram a frequentar o hospital com um serviço de intérprete por telefone pago por eles mesmos, mas se depararam com problemas de comunicação e falta de preparo para atender estrangeiros.
Paulo contou ao Japão sem Tarjas que, em uma consulta, perguntou se o hospital tinha fisioterapia, pois sente muitas dores e pensou que uma reabilitação poderia ajudar.
O médico teria dito que não, ao mesmo tempo em que uma enfermeira entrou na sala e, ao ouvir a conversa, disse que a reabilitação era no segundo andar.
O médico teria reagido na hora, dizendo para não contar, pois o estrangeiro não fala japonês e daria trabalho.
“Eu achei muito feio ele mentir, além de ingênuo. Era óbvio que tinha reabilitação em um hospital grande como aquele. E qual o problema de não falar o idioma? Se for um paciente que sofreu derrame e não pode se comunicar, eles vão negar a fisioterapia?”, questionou a intérprete que atendeu o caso.
Na semana passada, o casal voltou ao hospital para uma consulta e, desta vez, Valeria gravou um vídeo enquanto o médico conversava com a intérprete.
O médico da gravação não é o mesmo que mentiu sobre a reabilitação.
Ele diz que não entende a dor do Paulo, pois a hérnia é pequena e que o ideal é que ele volte ao Brasil para conversar com um médico que fale a língua materna dele.
POSTURA
Algo que chama bastante atenção no vídeo é a postura do médico com relação ao paciente estrangeiro.
O Paulo entra na sala com a esposa e entrega o celular nas mãos do médico, para que converse com ele por intermédio da intérprete. O médico logo se vira de costas para o paciente, ignorando a presença dele e começa a conversar apenas com a intérprete.
É interessante o momento em que ele pergunta há quanto tempo o brasileiro está no Japão. Nem a intérprete e nem o médico puxam a conversa para que o Paulo mesmo possa responder.
O médico, talvez frustrado pelas dificuldades de comunicação com um paciente que não fala japonês, poderia fazer diversas sugestões adequadas, como perguntar se a intérprete teria como vir pessoalmente ao hospital.
Um profissional de saúde proativo, preocupado em compreender as dores do paciente e entender sua origem, também poderia sugerir que a administração do hospital contrate alguém para fazer um serviço de tradução.
Em último caso, Paulo poderia ser aconselhado a procurar um outro hospital, mesmo que em outra província, que tivesse melhor preparo para atender estrangeiros.
No entanto, o médico quer que o paciente volte ao país de origem do outro lado do mundo, em plena pandemia do coronavírus, para fazer um tratamento de hérnia, pois não consegue compreender seus sintomas.
O que pensar sobre isso?
DIFICULDADES

A situação do casal começou a ficar complicada desde que Paulo perdeu as condições de trabalhar na fábrica por causa das dores na coluna.
Ele desenvolveu a hérnia há dois anos, cerca de seis meses depois de iniciar o trabalho na fábrica.
Ele acabou demitido e deu entrada no pedido de indenização por acidente de trabalho, que foi aceito.
As dificuldades com o hospital, no entanto, transformaram algo que era para ser simples em uma bola de neve.
“Eu só quero ser operado, ficar bom e voltar a trabalhar. Eles estão empurrando com a barriga, me dão remédios pesados que eu não aguento mais tomar. A falta de dinheiro também está difícil”, desabafou.
Por causa da saúde do marido que não o deixa trabalhar, Valeria tem tentado pagar as contas com o trabalho em uma fábrica de colchões, mas não consegue dar conta sozinha das despesas.
O casal depende ainda que o hospital assine um documento para receber as parcelas da indenização, mas encontra dificuldades com a instituição e o Ministério do Trabalho.
Diante de um cenário de problemas de saúde, desemprego e dificuldades financeiras, como o casal poderia aceitar a sugestão de voltar ao Brasil para tratar uma hérnia de disco, por causa de barreiras de comunicação?
“Só queremos que ele faça o tratamento, melhore e possa voltar ao campo de trabalho. Nada além disso. Só queremos os nossos direitos, conseguir trabalhar e buscar nossos objetivos aqui no Japão”, diz Valeria.
(Matéria publicada 22 de agosto de 2020)