A enfermeira japonesa que largou a profissão após atender casos de covid-19: “eu chorava todos os dias”

Reprodução/Nikkan SPA! (imagem ilustrativa)

Em meio ao caos da lotação de hospitais e internações por covid-19, quem mais sofre as angústias da pandemia são os profissionais de saúde.

No Japão, uma enfermeira deu entrevista ao Portal Nikkan SPA! para contar como chegou ao limite do esgotamento físico e psicológico, a ponto de decidir largar a profissão em um momento tão delicado.

Satoshi Tashima*, de 29 anos, era responsável pelos atendimentos emergenciais em um hospital onde pacientes com covid-19 estavam internados. Entre os novos pacientes, muitos chegavam com sintomas suspeitos de infecção por coronavírus.

“A área emergencial é bastante impopular entre os enfermeiros, mas eu sentia que tinha uma missão importante. Acompanhava esses pacientes recém-chegados e muitos eram encaminhados para o teste. Lembro de casos de pessoas que chegavam com dificuldade para respirar e depois testavam positivo ao vírus”.

O aumento das infecções e a consequente carga maior sob os hospitais transformam a rotina de trabalho de Satomi em algo insuportável. Em pouco tempo, ela se viu isolada, depressiva e percebeu que não podia mais continuar assim.

TRABALHO INTENSO

Depois que o hospital passou a dividir os profissionais responsáveis pelo atendimento dos casos de coronavírus, Satomi conta que passou a quase não ter mais folgas.

“Já havia um desfalque no número de enfermeiros mesmo antes do coronavírus. Com a demanda da doença nos meses em que trabalhei nessas condições, eu conseguia tirar dois ou três dias de folga no mês. O plantão era da meia-noite às 9h da manhã e eu fazia de duas a três horas extras por dia. As vezes o plantão durava uma semana inteira”, relatou.

Os impactos na vida de Satomi foram além da carga horária.

“Havia restrições para encontrar pessoas além dos colegas do hospital e eu não podia ver minha família ou meu namorado. Quando percebi, estava em um ritmo de trabalho intenso e sozinha. Entendi que não podia mais continuar assim”.

SOFRIMENTO

Satomi conta que tentou aguentar o máximo que conseguiu, mas acabou em uma rotina de sofrimento contínuo e medo.

Reprodução/Nikkan SPA!

“Nos intervalos e em casa, eu começava a chorar sem parar. Pensava que se largasse o trabalho, ia causar muitos transtornos aos meus colegas, mas eu estava no limite, era impossível continuar”, revelou.

A gota d’agua foi quando os colegas começaram a apresentar sintomas de coronavírus. Além de tudo que estava passando, ainda teve que conviver com o temor constante de acabar infectada.

Depois de sair do hospital, a enfermeira arrumou um emprego em um escritório que gerencia a produção de equipamentos médicos. Ela conta que agora tem uma rotina de trabalho mais tranquila, mas a renda caiu de ¥4,8 milhões ao ano para ¥2,8 milhões.

“Eu não larguei por estar insatisfeita com a profissão. Sempre que vejo as notícias sobre escassez de profissionais de saúde nos hospitais com pacientes de covid-19, eu sinto um aperto no peito. Eu gostaria que o governo do Japão tivesse desenvolvido um sistema para melhorar as condições e evitar o abandono do posto de trabalho”, lamentou.

*nome fictício

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Autor: Ana Paula Ramos

Jornalista e escritora, Ana tem sete anos de experiência no Japão, atuando como repórter na comunidade brasileira e como freelancer. Ela é a fundadora do Japão sem Tarjas e criadora do grupo ambiental "Por que você também não faz?". Em outubro de 2020, publicou o primeiro livro, "O Oitavo Andar", um suspense que se passa na cidade de Gramado. Em 2022 publicou o segundo livro, "O Diário da Minha Vida Ingrata", uma fantasia criada a partir de uma história real.

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