
Misaki é uma japonesa de 42 anos, que vive na província de Aichi.
Quando estava no terceiro ano do ensino primário (shougakkou), seus pais se separaram. Logo após o divórcio, ela começou a sofrer abusos sexuais do pai, que duraram por mais de dez anos, até que terminasse o colegial.
“Ele me dizia que um dia eu ficaria adulta e teria um namorado e não queria que eu sentisse vergonha quando esse momento chegasse. Ele dizia que era um treino e que era para o meu bem”, revelou em entrevista para a emissora Tokai TV.
Misaki contou sua história em público pela primeira vez em um protesto do movimento Flower Demo no ano passado em Nagoya (capital da província de Aichi). O grupo formado por mulheres vítimas de crimes sexuais tem por objetivo levar os casos a tona, protestar contra as leis brandas do Japão e lutar pelo fim da violência sexual.
Na ocasião, ela contou com a ajuda de uma das integrantes do grupo, devido ao Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) que sofre, uma condição que surgiu como consequência dos traumas que viveu na infância.

No fim, Misaki conseguiu dar algumas palavras de apoio para outras mulheres e meninas que possam estar sofrendo em silêncio:
“Torço muito para que histórias como a minha se transformem na oportunidade de fuga para meninas que estão passando por isto agora”.
FALTA DE APOIO
Sofrer em silêncio é o que parece ocorrer com a maioria das vítimas de violência sexual no Japão, principalmente quando o crime é cometido por um familiar próximo.
Segundo uma pesquisa do Gabinete Oficial do governo japonês, cerca de 60% das mulheres que sofrem abusos sexuais por um membro da família convivem com a situação sem contar para ninguém.
Misaki conta que no período em que sofria os abusos, chegou a criar coragem para contar o que estava passando a um professor, mas foi desencorajada.
“O professor tratou o meu caso como se não fosse nada demais. E o meu pai me dizia que se contasse o que ocorria para alguém a família se separaria para sempre. Acabei me calando e não consegui me abrir com mais ninguém na época”, contou.
Depois de se formar no ensino médio (koukou), ela passou a trabalhar para uma empresa e se casou com um homem que conheceu no trabalho. Finalmente conseguiu se livrar dos abusos e 25 anos se passaram, mas as marcas do que sofreu continuam até hoje.
TRAUMAS
Misaki desenvolveu o Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) em consequência dos traumas que sofreu na infância. A condição que se revela na formação de múltiplas personalidades afeta sua vida cotidiana e ela tem realizado consultas uma vez a cada duas semanas.
No caso de Misaki, são quatro personalidades distintas. Ela sofre perda de memória e as vezes espasmos, quando ouve barulhos que trazem associação ao seu passado. Suas personalidades distintas se manifestam mesmo quando está em casa.
Misaki contou ao marido o que sofreu cerca de sete anos após o fim dos abusos. Yuto (nome fictício), diz que ficou chocado.
“Queria ter levado o pai dela para a justiça, mas o crime já tinha preescrevido. Não havia nada a ser feito, apenas lamentar”, disse.
Se tivesse levado para a justiça, o pai de Misaki poderia ter sofrido uma pena leve por falta de leis mais severas no Japão contra crimes sexuais.
Em junho de 2019, os protestos do movimento Flower Demo repercutiram em todo o Japão devido aos recorrentes casos de violência sexual em que os acusados foram absolvidos pela justiça japonesa.

Um caso extremo chegou a ocorrer em 2017, quando um homem foi a julgamento sob acusação de ter estuprado a filha de 19 anos. Ele foi absolvido na primeira instância, mas depois da apelação, a segunda instância condenou o homem a 10 anos de prisão.
“Acho incrível que ela tenha denunciado antes de preescrever. Eu nunca sequer pensei em denunciar o meu pai no momento em que era abusada. E acho que 10 anos é pouco, pois a vítima vai carregar as consequências disto para o resto da vida”, diz Misaki.
Misaki, aliás, não é seu nome verdadeiro. Este foi o nome que ela escolheu pegando partes dos nomes de seus dois filhos, com a intenção de “recomeçar”. Mãe de uma adolescente, ela contou a filha os traumas que sofreu quando a menina estava no ensino ginasial.
“As vezes ela começava a hiperventilar e então eu parei de fazer perguntas. Quando eu estava no primário era pior, as emoções eram mais instáveis e as vezes ela jogava as coisas longe. Agora a minha mãe está bem mais calma, mas não tem memória quando troca de personalidade, acho que isto é muito complicado”, disse a Tokai TV.
Depois de ouvir a filha, Misaki disse que acredita que está melhorando e mostrou esperança por um futuro em que possa se livrar dos traumas causados pelo pai. “Faz um ano que troquei de nome e sinto que aos poucos tenho mudado”, sugeriu.
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Parabéns pela matéria!
E necessário que mais casos assim venham a tona ,pra que as mesmas vítimas se manifestem!
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