
A pandemia do novo coronavírus completou um ano e suas consequências econômicas trouxeram vulnerabilidade para diversas camadas sociais, inclusive no Japão.
As mulheres foram especialmente prejudicadas com questões econômicas e familiares, como o aumento da violência doméstica e as mudanças na rotina com os filhos. Por causa de problemas como perda do emprego e renda, muitas se viram em uma situação extrema, chegando ao ponto de ficar sem ter onde viver.
Segundo uma reportagem do Portal Fujin Koron, em março de 2020, 42 instituições de apoio social e caridade, que colaboram com uma rede de informações relacionada aos cidadãos em situação de vulnerabilidade social, criaram o projeto “Ação para a Tragédia Emergencial da Pandemia”.
Daisaku Seto, responsável pelo escritório que gerencia o projeto, disse que tem recebido inúmeros e-mails emergenciais de pessoas que relatam que estão passando grandes dificuldades.
“Há pessoas que estavam vivendo em “Net cafés” (lan houses), mas acabaram expulsas e foram parar nas ruas. Recebemos consultas de pessoas que ficaram sem luz ou gás ou que por dificuldade de pagar as contas, acabaram expulsas de onde moravam”, relatou.
Este é o caso de Keiko Tanaka*, de 39 anos, que contou sobre as dificuldades que passou ao portal Fujin Koron.
Dez dias no parque

“Faz muito tempo que não como algo doce”.
Esta foi a reação de Keiko quando deu entrevista, diante de um pedaço de panqueca em um restaurante de família.
Durante dez dias, a japonesa viveu em um parque próximo ao porto da província de Kanagawa, sem ter mais do que uma moeda de ¥50 no bolso.
Em maio de 2020, ela foi expulsa da casa compartilhada onde vivia, por ter ficado um mês sem conseguir pagar o aluguel. Sua despesa era de ¥45.800, incluindo as despesas de luz e gás. Por causa da perda de renda, acabou ficando na rua quando trocaram a fechadura de casa sem aviso prévio.
Keiko conta que sofreu violência psicológica do marido e em 2019, veio sozinha para Kanagawa a fim de recomeçar a vida. Ela passou a trabalhar na central de atendimento telefônico de uma operadora de celular e então foi morar na casa que dividia com outras pessoas.
Em abril do ano passado, ocorreu um caso de coronavírus em seu local de trabalho e o escritório fechou.
“Os funcionários foram divididos em dois times e eu passei a trabalhar a cada duas semanas. Minha renda caiu muito e não consegui pagar o aluguel daquele mês”, explicou.
Apenas com a carteira e o celular, ela foi para a casa de um amigo, onde conseguiu ficar por apenas três dias. Depois disso, foi morar no parque.
“Achei que iria morrer”
Sem conseguir tomar banho, Keiko conta que desistiu de ir para a empresa quando reabriu, pois não estava com uma aparência adequada. Ela comprou um saco com cinco pães na loja de conveniência por ¥100 no primeiro dia e resolveu comer um por dia.
Logo acabou gastando os ¥3 mil, que era tudo o que tinha na carteira.
Quando a bateria do celular estava prestes a acabar, Keiko ligou para o atendimento telefônico que prometia suporte para casos como o dela. Conseguiu falar com um advogado e foi encaminhada diretamente para os cuidados de Seto.
“No dia 18 de maio, ganhei ¥45 mil de doação, o suficiente para garantir moradia por uma semana e o dinheiro que precisava para a alimentação. Finalmente relaxei um pouco, depois fui encaminhada ao auxílio do governo e passei a receber a ajuda a partir de junho”.
Atualmente, ela consegue pagar ¥54.300 de aluguel, as despesas básicas e conta do celular, mas acaba com quase nenhum dinheiro. O responsável pelo caso dela na prefeitura aconselhou que consultasse um médico e Keiko foi diagnosticada com Transtorno de Estresse Pós Traumático (PTSD), também referente aos traumas que viveu no passado, abuso psicológico e violência do pai.
Em setembro, ela finalmente conseguiu um trabalho e por causa da renda, diminuiu o valor que recebia de auxílio. Agora, sente que falta pouco para poder sair do sistema.
Ajuda com doações
Para ajudar essas pessoas, as organizações de caridade iniciaram uma campanha emergencial de arrecadação de fundos e passaram a doar o suficiente para pagar moradia temporária e alimentação até que o beneficiado possa ser encaminhado para o cadastro do auxílio subsistência (seikatsu hogo) na prefeitura.
De acordo com a reportagem, cerca de ¥95 milhões já foram arrecadados e ¥37 milhões foram destinados a ajudar 2 mil pessoas. Seto conta que, sozinho, já cuidou de mais de 200 casos.
“Em abril, muitos net cafés fecharam por causa das restrições e então recebemos uma enxurrada de consultas de pessoas na faixa de 20 a 49 anos, que tinham trabalhos informais. Mais de 20% eram mulheres, algumas sofreram violência doméstica e saíram de casa. Teve até um caso de uma mulher que foi expulsa com o seu cachorro”.
Muitas pessoas puderam respirar com alívio por um momento graças as doações, mas não tem sido fácil cadastrar os usuários no sistema do auxílio subsistência, por causa da alta demanda e pouca boa vontade das prefeituras para realizar os cadastros.
“Muitas pessoas que tentam cadastrar são desencorajadas no balcão da prefeitura e é preciso uma negociação pesada para encaminhar a ajuda. O auxílio básico para a vida é um direito público garantido ao cidadão e os bancos de alimento são utilizados para fornecer o sustento por duas semanas, mas há muita desordem neste sistema”, disse.
*Nome fictício
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