
“Acho que todo mundo que é enganado diz a mesma coisa, mas eu nunca pensei que isto poderia acontecer comigo”.
Este é o sentimento de Chie Obayashi*, uma mulher japonesa na faixa de 30 anos, que foi enganada por um golpista que se passava por um estrangeiro bem-sucedido em um aplicativo de relacionamentos.
Ela contou sua história ao portal Shukan Josei Prime. Uma história que envolve fragilidade, solidão, paixão e confiança em alguém que não era real. Chie acabou realizando várias transferências bancárias, pediu ¥6 milhões ao padrasto e entregou um total de ¥15 milhões para um ou vários golpistas.
Chie morou vários anos nos Estados Unidos, trabalhando na indústria do turismo. Sua mãe sofreu um acidente e ficou em estado vegetativo e para ficar perto da mãe, ela decidiu pedir transferência e voltou ao Japão em janeiro de 2020.
“Minha terra natal é Tóquio, mas fui trabalhar no interior e sem me acostumar com o local novo e sem amigos, decidi tentar um site de relacionamentos para ter com quem conversar”, contou.
O que Chie não esperava era que o aplicativo fosse a porta de entrada de um golpe muito bem elaborado, capaz de levá-la a ruína financeira e emocional.
Encontro com o golpista
Chie logo começou a conversar com um homem que se dizia americano, mas de família japonesa e chinesa. Ele se identificava como “Michael Kentaro Chen” e dizia ter um contrato com uma petroleira do Kuwait. Seu trabalho consistia em supervisionar as áreas para a atividade de extração.
O primeiro contato entre “Kentaro” e Chie foi em outubro de 2020. Em novembro, eles passaram a conversar em um aplicativo de mensagens e Chie conta que, no começo, as conversas eram comuns, ele queria saber onde ela morava ou o que gostava de comer.
A intimidade se aprofundou quando Chie contou sobre sua família e ouviu também sobre a suposta família dele.
“Três meses depois que eu voltei ao Japão, minha mãe faleceu. Ela traiu o meu pai e era viciada em jogos de azar. Eu cheguei a odiá-la por causa disto, mas é a minha mãe e fiquei muito triste quando faleceu. Ele me contou que perdeu o pai em um acidente e a mãe morreu de câncer. Eu me identifiquei com ele, passei a ter sentimentos”, explicou.
Aos poucos, a conversa entre os dois foi ficando mais frequente e duradoura. Chie acabou se envolvendo emocionalmente e passou a confiar no homem que conversava.
“Por causa do corona, aumentou o discurso de ódio contra asiáticos no exterior. Eu mesma já fui discriminada quando trabalhava fora e ele disse que também sofre discriminação por ser asiático. Ele me dizia que estava cansado, que queria ir ao Japão. Eu passei a admirá-lo, estava em uma circunstância pior do que a minha, mas trabalhava e se esforçava em vários países”, contou.
Dia do golpe

No fim de novembro do ano passado, Chie foi surpreendida por uma conversa inesperada. “Kentaro” mandou uma mensagem pedindo a ajuda dela.
“Ele disse que um equipamento que usa para escavar o petróleo havia quebrado. Ele precisava comprar um novo, mas o computador da empresa não deixava abrir sites externos para evitar o vazamento de informações confidenciais. Ele queria que eu entrasse em sua conta bancária e mandasse o dinheiro”.
De início, a história não provocou suspeitas. Kentaro disse que não podiam conversar diretamente pelo telefone por causa de questões do contrato de trabalho e então passou instruções sobre como proceder.
“Primeiro era para eu enviar o dinheiro da conta dele para a empresa que vende o equipamento, mas não funcionou. Então ele queria que enviasse o dinheiro para a minha própria conta, mas também não deu. Depois ele pediu que utilizasse o serviço de apoio no site do banco”, explicou.
Chie foi conduzida a acessar uma página bem feita, que parecia ser de um banco turco chamado “ZIRAAT UNION OFFSHORE BANK”. Ao acessar a suposta conta de Kentaro, se deparou com um saldo de mais de ¥100 milhões.
“Fui informada pelo suporte online no site do tal banco de que não podia enviar o dinheiro por determinações do governo da Turquia”, relatou.
No entanto, tudo aquilo não passava de uma mentira bem construída para dar veracidade a história de Kentaro. No dia 26 de novembro, depois dos fracassos de transferências e compra do suposto equipamento, Chie foi instruída a transferir dinheiro de sua própria conta para uma conta bancária no Japão.
“Depois recebi um aviso do ‘suporte do banco’ dizendo que se não pagasse os impostos, o dinheiro seria confiscado da conta. Eu disse a ele e Kentaro me pediu para fazer o depósito, disse que me devolveria o dinheiro com juros”.
Chie conta que ficou nervosa, mas o homem disse que não era a primeira vez que fazia aquele trabalho, que já tinha acontecido na China. “Eu confiei nele, estava feliz por ter tido uma oportunidade de ajudá-lo”, contou.
Transferências contínuas
Kentaro disse para Chie que queria que transferisse o dinheiro para um agente que estava atuando no Japão. Ela fez a primeira transferência para uma conta de um japonês, chamado de “Kenji Kato”.
“Eu achei estranho e o questionei, ele disse que tinha que fazer de acordo com as instruções do banco ou não daria certo. Eu fiquei preocupada, mas transferi o dinheiro. Aliás teve outro nome nas contas que transferi, uma pessoa chamada “Tetsuo Nakajima”, relatou.
Chie pensou que o problema de Kentaro tinha sido solucionado com a primeira transferência, mas então surgiu um novo problema e novas solicitações de transferências cada vez mais altas.
“Ele disse que precisava de um comprovante de que não era terrorista e que precisava pagar o envio do equipamento do petróleo e então me pediu novas transferências”.
Chie verificou que o certificado mencionado por Kentaro de fato existe e sobre o envio da máquina, ela pediu que ele visse com a empresa fornecedora, mas o homem disse que precisava mandar o equipamento adiantado e pagaria depois.
Chie recebeu um suposto e-mail de aviso de que o equipamento havia sido enviado e um link para rastrear o envio. No entanto, ao pesquisar depois, ela descobriu que se tratava de um site que qualquer um pode criar, desde que pague uma taxa.
Dívida com o padrasto
Chie acabou realizando cinco transferências bancárias para ajudar o suposto namorado americano.
No dia 3 de dezembro do ano passado, transferiu ¥3,2 milhões. No dia 7, mandou mais ¥3,6 milhões e no dia 11, ¥6,8 milhões. No dia 14, enviou ¥2,3 milhões e no dia 24 de dezembro, transferiu ¥850 mil.
“A quantia aumentou depois da segunda transferência e eu fiquei com medo. Eu tentei me tranquilizar pensando que ele iria devolver logo. Tinha o dinheiro por causa do seguro da minha mãe que faleceu e depois tive que pedir emprestado para o meu padrasto”.
O padrasto de Chie foi gentil, disse que a conhecia desde pequena e que ela sofreu muito por causa da mãe. Ele disse que jamais negaria um pedido da enteada e emprestou ¥6 milhões sem nem perguntar quais eram as circunstâncias.
Desfecho
Chie começou a ficar desconfiada e pediu ao homem a foto do passaporte dele. Ele mandou, junto com um número de seguro social comum nos Estados Unidos.
“Eu pesquisei o número na web e verifiquei as informações. Dizia que a pessoa era mesmo do local que ele disse ter nascido e eu achei que estava tudo bem. Quando perguntei se ele não estava me enganando, ele ficou ofendido, disse que a situação era delicada e doía a minha desconfiança”.
No entanto, em janeiro deste ano, Chie começou a perder o contato com ele.
“Ele disse que devolveria o celular para a empresa e não ia poder entrar em contato. Mas no aplicativo, ele continuava online e pensei que era outra pessoa mexendo. Continuei mandando mensagens”.
Chie conseguiu contatá-lo de novo em fevereiro e Kentaro disse que estava indo ao tribunal por causa de um problema com o contrato da empresa. Ele disse que conseguiu mandar mensagem a ela, pois o juiz permitiu.
“Eu só queria que ele devolvesse o dinheiro. Perguntei de novo se não estava me enganando e ele continuou se fazendo de vítima, disse que estava cheio de problemas para ainda ser atacado por mim”.
Depois disso, Kentaro sumiu de novo. Chie conta que falou pela última vez com ele no dia 3 de março, foi uma briga curta.
“Ele disse que não importava o que me dissesse, eu não acreditava nele. Depois disse para eu fazer como eu quisesse e sumiu de novo”.
Chie foi bloqueada no dia 10 de março e finalmente compreendeu que havia sofrido um golpe. Ela foi na polícia, mas não levou fé nos policiais.
“Eles falaram que iam investigar as contas de japoneses que o dinheiro foi transferido, mas não pareceram muito dispostos a correr atrás. Tentei contatar o FBI pela internet, mas não acho que vão investigar só por minha causa”, lamentou.
Sem esperanças de recuperar o dinheiro, Chie conta que ficou depressiva e chegou a pensar em suicídio, mas agora acredita que está conseguindo dar a volta por cima.
“Eu não conseguia mais dormir e tive uma úlcera no estômago. Teve dias que eu tive tremedeiras por causa disto. Tenho muita vergonha e já pensei em morrer, pois podia pagar o meu padrasto com o dinheiro do meu seguro. Mas eu pensei melhor e vou devolver o dinheiro aos poucos. Fui mesmo uma idiota”, lamentou.
*Nome fictício
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