“A crise do coronavírus está acelerando a pobreza no Japão”, o alerta de ONGs em Tóquio

Instituições de caridade relatam aumento de pedidos de ajuda e da pobreza entre jovens, mulheres, crianças e estrangeiros.

Tsuyoshi Inaba à esquerda, Daisaku Seto à direita e o padre Ichiro Hidetaka no meio, durante reunião do Comitê do Trabalho. (Friday Digital)

A pobreza parece estar afetando mais pessoas no Japão do que a pandemia do novo coronavírus, que completou 14 meses neste mês.

A necessidade de restrições para a prevenção e os eventuais estados de emergência declarados em províncias populosas têm afetado o emprego, a renda e agravado a situação de pobreza no país.

O aumento da pobreza tem chamado a atenção de organizações que prestam serviços de apoio e de caridade e também tem sido relatado pela mídia japonesa.

Em uma reunião do Comitê do Trabalho, realizada no dia 6 de maio e divulgada pelo portal Friday Digital, o líder da organização Tsukuroi Tokyo Fund, Tsuyoshi Inaba, disse que a pandemia tem provocado um aceleramento da pobreza no país. Os padrões dos pedidos de ajuda mudaram desde que as restrições se tornaram necessárias.

A Tsukuroi Tokyo Fund é uma entidade que visa garantir uma rede de apoio para as comunidades pobres. A organização é formada por uma união de membros de instituições de caridade no Japão.

Durante o feriado de Golden Week na última semana, as organizações realizaram dois eventos de distribuição de alimentos em uma igreja católica em Tóquio e contaram com a presença de 660 participantes, um número elevado em comparação aos outros anos.

“Antes do coronavírus, quando a gente realizava este tipo de evento, o público que comparecia era basicamente de homens solteiros, de meia idade ou idosos. Desta vez, tivemos um grande número de mulheres com crianças, jovens com menos de 30 ou 20 anos e muitos estrangeiros”, disse Inaba, que presta apoio para as comunidades carentes há 27 anos.

Ele contou que ficou surpreso, pois nunca antes houve tantas pessoas precisando de ajuda. “Em todos estes anos de trabalho, eu nunca vi tantas pessoas passando por esta situação”, frisou.

As pessoas que querem morrer

Mahbod Akhzamy – Unsplash

As organizações de apoio também tem prestado atendimento através de ligações telefônicas e e-mails, em que orientam as pessoas que estão passando dificuldades para que obtenham o apoio necessário.

Daisaku Seto, que atende o público através da organização emergencial Shingata Corona Saigai Kinkyu Action, contou na reunião que entre os constantes pedidos de ajuda que chegam por e-mail, muitas mensagens possuem o ideograma de morte “shi” (死).

“Há muitas pessoas, principalmente jovens, que chegaram ao limite. Elas pedem ajuda, pois não tem mais dinheiro e estão sozinhas e então elas dizem que querem morrer”.

Ele diz que as organizações privadas que oferecem apoio já estão no limite e o “seikatsu hogo”, o auxílio subsistência fornecido pelo governo, pode salvar a vida de muitas pessoas em estado crítico.

“A última rede de segurança antes de que as pessoas tirem a própria vida é o seikatsu hogo. O governo deveria divulgar mais informações sobre este auxílio, as pessoas precisam saber que é um direito delas”, explica.

No entanto, na maioria das vezes e por causa dos elevados pedidos de ajuda, muitas pessoas que tentam se cadastrar neste sistema acabam de mãos abanando. Há prefeituras que dificultam o apoio e tentam fazer com que o interessado desista de encaminhar o pedido de ajuda.

“Hoje há muitas pessoas que não possuem nada para comer. Enquanto isto, as pessoas ricas estão aumentando seus patrimônios mesmo na pandemia. Uma sociedade desigual não é vantajosa para ninguém”, diz Seto.

Autor: Ana Paula Ramos

Jornalista e escritora, Ana tem sete anos de experiência no Japão, atuando como repórter na comunidade brasileira e como freelancer. Ela é a fundadora do Japão sem Tarjas e criadora do grupo ambiental "Por que você também não faz?". Em outubro de 2020, publicou o primeiro livro, "O Oitavo Andar", um suspense que se passa na cidade de Gramado. Em 2022 publicou o segundo livro, "O Diário da Minha Vida Ingrata", uma fantasia criada a partir de uma história real.

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