Japonês gay tenta denunciar furto e recebe reação absurda da polícia: “e se você se apaixonar pelo ladrão?”

O escritor e ativista Ryosuke Nanasaki conta que não conseguiu registrar o furto de sua carteira em Tóquio depois que o detetive soube que ele e o suspeito eram gays.

Ryosuke Nanasaki é escritor e ativista dos direitos LGBT. Foto divulgada pelo portal Bunshun Online.

Tóquio – O que era para ser uma simples denúncia de furto em um posto policial no Japão se tornou um pesadelo para a vítima: Ryosuke Nanasaki, um jovem escritor, gay assumido e ativista dos direitos LGBT.

Ryosuke contou a história em um artigo publicado pelo portal Bunshun Online (veja aqui).

Tudo começou em uma janta em casa com os amigos. Ryosuke e o namorado receberam a visita de um grupo de amigos – todos homens gays – e depois do encontro, ele percebeu que a carteira havia sumido.

“Eu achei que tinha perdido, pois sou distraído, mas não conseguia lembrar como. Até que recebi uma ligação de “H”, uma pessoa que não conheço. Ele me perguntou se alguém tinha roubado a minha carteira e eu descobri quem era o ladrão”.

“H” teve um console roubado por uma pessoa identificada como “K”. Quando “H” foi atrás de “K”, o obrigou a entregar uma identificação e “K” entregou um cartão de seguro que pertencia ao Ryosuke.

“H” disse por telefone que pretendia divulgar o documento na internet, alertando as pessoas de que o dono do cartão era um ladrão. Porém, antes de fazer isto, percebeu pela foto que era uma pessoa diferente e pesquisou o nome de Ryosuke na internet.

Quando Ryosuke ouviu a história, percebeu que “K” esteve na janta em sua casa, mas não era um amigo íntimo. Ele era alguém que um de seus amigos conhecia há pouco tempo e convidou para o encontro.

“Depois disto, recebi uma carta colocada diretamente na minha caixa do correio, junto com a carteira vazia. A carta pedia desculpas e dizia que teve uma circunstância para aquele furto sem mais explicações. Eu decidi ir na polícia”.

Tensão no posto policial

Com a certeza do furto e sabendo quem era o ladrão, Ryosuke convidou o namorado para ir no posto policial de Kasai, em Edogawa (Tóquio) a fim de registrar a denúncia.

Ele explicou aos policiais tudo que aconteceu desde o começo e o detetive perguntou ao acompanhante quem ele era. Quando soube que se tratava do namorado da vítima, pediu que aguardasse sozinho no fundo do corredor.

Ryosuke ficou sozinho, cercado por seis oficiais, os policiais e um detetive. E então uma conversa esquisita se iniciou.

“Que tipo de janta foi esta que vocês tiveram em casa?”, o detetive quis saber. Ryosuke respondeu sem receio: “foi um encontro de amigos gays”.

O detetive perguntou novamente se Ryosuke era gay e se o ladrão de sua carteira também era e ele confirmou. O detetive começou a ficar agitado e a vítima insistiu em seu propósito:

“Por favor, prenda o “K”. Ele usou os meus documentos e o meu nome quase foi parar na internet, como se eu fosse um criminoso. Se isto acontecesse, seria muito ruim para mim. Tenho a carta e a carteira vazia que ele devolveu, deve ter impressões digitais”, Ryosuke pediu.

“Hum. Mas… sabe… Você veio aqui hoje, pedindo para eu prender o culpado. Se você registrar a ocorrência, nós temos que nos esforçar muito para encontrar o ladrão”, o detetive começou a dizer.

“Então por favor. Quero registrar a ocorrência”, confirmou Ryosuke.

“Mas… você é gay. O ladrão, ele também é gay, não é?

“Sim… E daí?”

“Então, o que eu quero dizer é que… sabe… se você registra a ocorrência e a gente se esforça para prender o ladrão, pois este é o nosso trabalho… Então você é gay, ele também é… E então vocês dois se apaixonam e você vem dizer que não quer mais processar e aí o nosso trabalho terá sido em vão. Por isso, é melhor não registrar como furto e sim como perda. Afinal, isto é bem comum, não é? Amor, paixão… vocês dois sendo gays…”

Ryosuke ficou sem palavras por um instante e o detetive continuou.

“Você pode registrar como perda. Mesmo que o seu documento seja utilizado, não há danos reais para você, não é?”

Ryosuke respirou fundo e tentou explicar.

“Senhor detetive, se vocês prenderem o “K”, não importa se eu sou gay e ele também, não vou me apaixonar por ele. O senhor viu que eu tenho namorado? Ele veio comigo até aqui”.

“Mas você não sabe, você não pode ter certeza dessas coisas”, o detetive insistiu.

“Como eu vou me apaixonar pelo sujeito que furtou minha carteira? Qual é o problema do senhor? Se a vítima é uma mulher, o suspeito é um homem, o senhor vai dizer isto a ela? Não é idiota?”, ele respondeu com sinceridade.

Desistência da denúncia

Foto: Bunshun Online

A conversa com o detetive não parou por aí. Ryosuke insistiu o máximo que conseguiu, mas começou a ficar cansado, frustrado e nervoso. A gota d’agua foi quando o policial fez uma insinuação:

“Mas vocês dois são gays, não são? Não pode dizer que é impossível, não é? E esta festinha em casa, isto foi mesmo só um jantar?”

“Espere um pouco. O senhor está sugerindo que a gente fez uma orgia em casa, é isto?”

“Não posso dizer claramente, mas é, não é?”

“Ah, eu não sei o que fazer. O senhor está sendo muito grosseiro”, Ryosuke já estava perdendo as forças.

“Mas isto é bem comum no mundo de vocês, não é? Também é possível que vocês estejam usando drogas, não é?”

A discussão durou uma hora e Ryosuke conta que sentiu vontade de bater no detetive, mas avaliou as consequências. Quando se sentiu exausto e já estava prestes a desistir, soltou um desabafo:

“Senhor detetive, o senhor é casado?”

“Sim, eu sou”

“Lamento pela sua esposa, pois o senhor é uma pessoa horrível. Isto não é cruel demais? Eu vim aqui só para pedir para prender o sujeito que furtou minha carteira. Tem como perdoar o que o senhor está fazendo? Não é cruel demais?”

“Minha família se importa muito comigo”, o detetive não pareceu ofendido.

“O senhor pode achar o que o senhor quiser. Mas eu só quero que prenda o ladrão e os senhores policiais parece que não querem trabalhar. E são muito desrespeitosos com os gays. Isto é discriminação. Eu desisto”.

Ocorrência de perda e frustração

Foto: Bunshun Online

Cansado, sem nenhum apoio e cercado pelos policiais, Ryosuke acabou pedindo o formulário para registrar a perda da carteira.

“Eu estava com muita raiva e as minhas mãos tremiam. Enquanto eu preenchia, o detetive dizia que eu também tinha uma parcela de culpa, pois não estava cuidando da carteira. Eu só queria ir embora dali o mais rápido possível”.

Quando saiu da delegacia, Ryosuke encontrou o namorado que estava esperando por ele. Ele decidiu que não ia contar o ocorrido para não chateá-lo, mas estava visivelmente abalado e o namorado percebeu que havia algo de errado.

“Eu acabei contando tudo a ele e estava quase chorando. Ele perguntou se eu falei que tinha namorado e disse que era cruel, mas disse que eu era forte e quis saber se eu venci e registrei o furto. Eu disse que perdi a batalha e comecei a chorar. Foi muita pressão, estava cercado”, explicou.

O namorado tentou encorajá-lo e o convidou para comer fora e deixar o assunto de lado. No entanto, Ryosuke decidiu divulgar, para que casos como este sejam expostos e não passem despercebidos no futuro.

“Eu jurei que um dia faria isto chegar na opinião pública”, frisou.

Autor: Ana Paula Ramos

Jornalista e escritora, Ana tem sete anos de experiência no Japão, atuando como repórter na comunidade brasileira e como freelancer. Ela é a fundadora do Japão sem Tarjas e criadora do grupo ambiental "Por que você também não faz?". Em outubro de 2020, publicou o primeiro livro, "O Oitavo Andar", um suspense que se passa na cidade de Gramado. Em 2022 publicou o segundo livro, "O Diário da Minha Vida Ingrata", uma fantasia criada a partir de uma história real.

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