Basta publicar uma matéria sobre bullying nas fábricas para reunir dezenas de relatos de pessoas que sofreram ou foram testemunhas de assédio moral e boicote de conterrâneos. A pergunta que fica é: o que se ganha com a desunião?

Muitos brasileiros que vieram ao Japão carregam histórias parecidas. Uma vida difícil no Brasil, a oportunidade de ganhar mais dinheiro e viver melhor. A ideia (muitas vezes ilusória) de dar uma educação melhor ao filhos ou talvez juntar o suficiente para recomeçar no Brasil em melhores condições.
A trajetória de muitos imigrantes começa com empreiteiras e agências que negociam o trabalho antes da viagem. Algumas propostas são tentadoras, prêmios financeiros por tempo de atividade, suporte para iniciar a vida no Japão, apartamento arranjado, passagens pagas e uma dívida que se quita aos poucos com os meses trabalhados, sem sofrimento.
As circunstâncias levam o brasileiro ao Japão e a nova vida começa com expectativas. Talvez alguns receios, mas com aquele sentimento de algo novo, uma batalha a vencer e objetivos a cumprir. Não vamos entrar no mérito das agências e empreiteiras, se cumprem ou não o que prometem, mas em uma questão que só entra em evidência depois que a rotina da vida nova e do trabalho se estabelece: as dificuldades das relações humanas.
O camarada que entra na fábrica querendo trabalhar, ganhar dinheiro e se possível fazer alguns amigos, muitas vezes cai nas mãos de um conterrâneo que já está mais do que adaptado com o serviço. Alguém que deveria oferecer a mão nesse início penoso, orientar sobre o trabalho, tirar dúvidas e dar um apoio, considerando que ele mesmo já foi um novato.
Na prática, no entanto, a realidade é outra. Muitos relatos nas redes sociais e as entrevistas diretas que eu mesma fiz para escrever a matéria sobre bullying na fábrica para a Record TV (leia aqui) mostram que é comum que o veterano se sinta ameaçado ou acabe por perder seu posto com a chegada do colega. E o que poderia ser o início de uma amizade com bons frutos para os dois lados, se transforma em uma guerra e um pesadelo desnecessário.
Há também outros tantos casos diversos. O brasileiro que se acha melhor do que os colegas por ter um pouco mais de conhecimento no idioma japonês. O chefe da linha de produção que não tem nenhuma consideração pelos operários e quer fazer valer suas vontades. Os casos de inveja e me deparei com um desses nas entrevistas. Uma menina de Nagano, que passou a ser massacrada porque teve o direito de tirar férias. Quando voltou, a colega (também brasileira) estava muito disposta a transformar o trabalho dela em um inferno (e conseguiu).
Todas essas histórias nos fazem pensar em algo bastante curioso: a mentalidade dos brasileiros incapazes de enxergar que são peças de uma mesma engrenagem, dividem o mesmo barco, estão no Japão provavelmente por objetivos em comum. E sem perceber nada disso, optam por um comportamento negativo e que não beneficia ninguém, nem os colegas, nem eles mesmos. É uma guerra em que só há perdedores.
Enquanto a guerra na linha de produção acontece, talvez o verdadeiro dono da fábrica esteja curtindo a vida em um hotel de luxo em Okinawa ou no Havaí. Mas o conterrâneo que se julga dono da fábrica porque é o chefe ou porque fala japonês ou porque é veterano, está lá, preocupado em boicotar um colega que está ralando tanto ou mais do que ele, ganhando um salário a custo de muito suor e tentando vencer seus objetivos em meio aos desafios.
Atitude mental

Acabei combinando toda essa problemática com um livro que li recentemente, “Atitude Mental Positiva”, de Napoleon Hill e William Clement Stone. Esta obra traz alguns conceitos interessantes sobre como a nossa atitude mental é determinante para os nossos resultados na vida.
Quando você opta por ter uma aittude mental positiva (AMP), você abre as portas das oportunidades, clareia os pensamentos e os objetivos, melhora a sua saúde, faz as coisas fluírem na sua vida com facilidade. Quando a escolha é a atitude mental negativa (AMN), você passa a ser movido por sentimentos ruins, o medo, a inveja, a raiva. Coloca o seu foco em prejudicar o outro e acaba prejudicando a si mesmo, as vezes mais do que o outro.
Não sabemos os ganhos da desunião, mas sabemos os prejuízos. O colega que você se recusou a conhecer melhor e a tratar de forma positiva e que acabou virando um inimigo na fábrica, poderia ter se tornado um grande amigo e aliado, trocado recomendações, contatos, dicas e ideias úteis para a vida de ambos.
O mesmo colega que você desdenhou na condição de novato talvez tenha saído da fábrica pouco tempo depois para abrir um negócio próprio. Talvez você tenha perdido a oportunidade de ganhar uma proposta de emprego diferente, de mudar de área, de fazer uma atividade que cause mais satisfação.
Nem sempre vamos nos dar bem com as pessoas que precisamos conviver no ambiente de trabalho ou em qualquer outra circunstância, isso é um fato. As vezes o santo não bate, os gostos são muito diferentes, as manias de um incomoda o outro. Mas quando mantemos o foco em ter uma atitude positiva, entramos em um universo de possibilidades melhores.
Quem tem atitude negativa só enxerga obstáculos, enquanto que os que agem com atitude positiva estão rodeados por oportunidades. A desunião gera estresse, problemas de saúde, desânimo, sofrimento no trabalho, depressão e pedras no caminho. A união gera conforto, amizade, ânimo, disposição e oportunidades. Por mais infeliz que você se sinta no trabalho, o simples fato de ser amigo dos colegas e conviver em um ambiente agradável torna tudo mais suportável.
Por isso, na próxima vez que surgir um sentimento negativo com relação a um colega e que brotar a vontade de destratar, puxar o tapete, boicotar e fazer o “fulaninho” se dar mal, pense se realmente vai valer a pena. As vezes o melhor é respirar fundo e tentar enxergar a situação por outro ângulo. Fazer o possível para manter a paz e o bem-estar, sempre lembrando que a sua jornada também pode ser a jornada do outro.
Live sobre trabalho no Japão
Aproveitando para deixar o convite! No dia 4 de novembro, às 20h, participarei de uma live sobre trabalho no Japão, junto com a psicanalista Carine Sayuri Goto do Instituto Amae e a fundadora do Grupo Sóror, Cristiane Maikuma.
A live poderá ser acessada na página do Grupo Sóror no Facebook (veja aqui). E aproveite também para curtir a página do Japão sem Tarjas (veja aqui).
