A exaustão que levou uma jovem japonesa a matar a avó de 90 anos que sofria de Alzheimer

Unsplash (imagens ilustrativas)

Yuriko* é uma jovem japonesa de 22 anos, que trabalhava como professora de uma creche na província de Hyogo.

Em setembro, ela entrou pela primeira vez na sala de julgamentos da Corte de Kobe, capital da província.

Yuriko não era apenas uma ouvinte. Aquele se tratava de seu próprio julganento, para decidir o rigor da sentença que levaria por matar Keiko*, sua própria avó, de então 90 anos.

A história de Yuriko foi investigada pelo jornal Mainichi, que contou em uma reportagem especial todos os detalhes do caso. (Veja aqui)

Os pais da jovem se divorciaram quando ela tinha três anos de idade. Quando estava no primeiro ano da escola primária, a mãe morreu em decorrência de uma hemorragia cerebral.

A pequena Yuriko foi parar em uma instituição para adoção, mas foi retirada de lá pela avó paterna, a mesma que acabaria assassinando muitos anos depois.

Keiko cuidou de Yuriko, pagou as despesas da escola e cotidianas e até presenteou a neta com um piano. A jovem passou a sonhar em se tornar uma professora de crianças e teve o desejo apoiado pela avó.

No entanto, o fim trágico dessa história é muito mais complexo do que uma notícia de assassinato costuma informar.

Uma série de circunstâncias negativas resultaram em exaustão e desespero, o que fez com que em uma manhã de outubro do ano passado, Yuriko sufocasse a idosa com uma toalha de rosto.

Logo depois, ligou chorando para a polícia e disse que tinha acabado de matar a própria avó.

Além do pai de Yuriko, Keiko tinha outros dois filhos. No entanto, os três jogaram sobre a jovem a responsabilidade de cuidar da avó sozinha, já que havia sido criada por ela e era a pessoa mais próxima.

PRESSÃO E ESTRESSE

Photo by Nur Taufik Zamari on Unsplash (imagem ilustrativa)

Keiko era uma avó dedicada, mas também tinha um gênio forte. Quando Yuriko entrou na escola ginasial, passou a sofrer problemas psicológicos e a tomar remédios para dormir.

Em algumas ocasiões, acabou sendo levada de ambulância para o hospital e o médico recomendou que não vivesse mais com a avó.

De acordo com o jornal Mainichi, Keiko dizia coisas depreciativas para a neta, que reduziam o seu valor e autoestima.

“Ela jogava na minha cara que eu nasci de uma mãe que só sabia acumular dívidas”, lembra.

Seguindo a recomendação médica, Yuriko saiu da casa da avó e foi morar com a tia, quando ainda estava no ginásio.

Anos mais tarde, quando entrou na faculdade, já não precisava mais de remédios para dormir. Ela realizou o sonho de se tornar uma professora de crianças e passou a trabalhar em uma creche.

No entanto, a condição de saúde da avó logo piorou. Em fevereiro de 2019, Keiko caiu em uma subida na frente de casa e ficou internada no hospital por um tempo. Neste período, foi diagnosticada com mal de Alzheimer.

Quando voltou para a casa, o quadro de saúde evoluiu até que precisasse de ajuda para as tarefas mais básicas, como ir ao banheiro e se alimentar.

“Ela perambulava sozinha e descalça tarde de noite e tocava a campainha da casa dos vizinhos. Logo percebemos que era perigoso deixa-la sozinha em casa, alguém teria que morar com ela”, relatou Yuriko.

A jovem discutiu com o pai, o tio e a tia sobre quem deveria cuidar da avó. O tio vivia muito ocupado com a empresa de limpeza que gerencia em Kobe, o pai sofre de uma doença que provoca tremedeiras e a tia tem uma criança pequena em casa.

Por fim, os familiares decidiram que Yuriko deveria cuidar da avó e a decisão foi reforçada pela tia:

“Foi a avó que pagou os seus estudos, é natural que você cuide dela agora”

Yuriko aceitou a decisão, sem saber das enormes dificuldades que enfrentaria. Ela voltou a morar na casa da avó sete anos depois de ter saído de lá.

A jovem chegou a desabafar pouco tempo depois com uma amiga dos tempos da escola, disse que precisava comprar as fraldas e cuidar da alimentação da avó e que ao mesmo tempo, não conseguia se adaptar ao trabalho e o chefe e colegas gritavam com ela.

“Não adiantava falar no trabalho que eu estava com a responsabilidade de cuidar da minha avó idosa sozinha. Eu era chamada de mentirosa e ninguém mostrava nenhuma consideração com relação ao que eu estava passando”.

O DIA DO CRIME

Photo by Cristian Newman on Unsplash (imagem ilustrativa)

A situação de Yuriko se agravou e apenas duas semanas depois de iniciar a nova vida morando com a avó, a jovem já estava no limite.

Sem nenhuma ajuda por parte do pai ou dos tios, ela passou a conciliar o trabalho com os cuidados que Keiko exigia e a fazer malabarismos para cumprir todas as responsabilidades.

A avó frequentava o “day service” (serviço de cuidados de um dia) durante a semana, mas estava em casa nos fins de semana e dava trabalho nas madrugadas.

Todos os dias após o trabalho, a jovem precisava dar comida na boca da avó e depois a levava ao banheiro a cada uma ou duas horas. Se Keiko fizesse suas necessidades, era preciso dar banho logo em seguida.

A jovem também acompanhava a avó nas caminhadas noturnas, quando Keiko insistia em perambular. Por fim, acabava dormindo apenas duas horas por noite.

Como morou na casa da tia por vários anos, a jovem tinha uma relação próxima com os familiares e por muitas vezes, tentou explicar que estava sendo muito difícil cuidar sozinha da idosa.

No entanto, os familiares não colaboravam. Ouviu da tia que ela podia tomar o controle, que não era tão difícil assim. Não importa o que dissesse, o pai e os tios a diziam para continuar cuidando da avó.

O crime aconteceu depois de cinco meses conciliando o trabalho com as necessidades de Keiko.

Foi em uma manhã escura e de forma repentina. Ainda eram 5 horas quando Yuriko foi acordada pela avó, que dormia ao lado dela.

A avó estava suando e a jovem pegou uma toalha de rosto, decorada com desenhos do cão Snoopy e corações rosas. Ela começou a passar a toalha no rosto e no corpo da avó.

Enquanto secava o suor, Keiko gritava com ela. “Não desrespeite a sua mãe!”. Yuriko molhou a toalha em um balde d’agua quente, enxugou e quando passou na pele da avó outra vez, ouviu mais um xingamento. “Mesmo estando viva eu não posso ser feliz porque você existe!”.

As palavras da avó, desconexas e confusas, eram frutos do Mal de Alzheimer. Mesmo ciente disso, Yuriko se sentiu entristecida e pressionada.

De acordo com os laudos do processo, ela pressionou a toalha com as duas mãos contra o rosto da avó e minutos depois, Keiko parou de se mexer.

Ela contou que se desculpava enquanto sufocava a avó e logo depois, ligou desesperada para a polícia, contando o que tinha feito.

JULGAMENTO

No julgamento, o juiz confessou que não era capaz de tecer “duras críticas” contra a réu. Yuriko foi condenada a três anos de prisão, mas por ser réu primária, ficará em liberdade se não cometer nenhum delito nos próximos cinco anos.

O tribunal também considerou as condições de saúde da jovem. Três meses depois de começar a cuidar da avó, ela foi diagnosticada com um grau leve de depressão.

Sofreu de estresse excessivo, teve problemas nos rins e anemia. Yuriko foi aconselhada pelo médico a ficar um tempo afastada do trabalho por causa de seus problemas de saúde.

A defesa alegou que ela não dormia e sofria forte pressão psicológica, enquanto que a promotoria disse que a jovem agiu com calma durante o crime e tinha plena responsabilidade pelo ato.

Na audiência, a tia depôs como testemunha da promotoria e disse que a família “se esforçou no cuidado com a avó”.

O responsável pelo serviço de cuidados que atendia a idosa também deu um depoimento e disse que recomendou que ela fosse internada, mas os filhos recusaram.

Em entrevistas ao jornal Mainichi, o pai, no entanto, mostrou que não pode perdoar a filha.

Ele disse que ela deveria ir para a prisão. “Cortei os laços com ela, não possuo mais nenhum sentimento como pai”.

A casa onde morou com a avó permanece fechada desde o crime. No julgamento, o juiz disse para que Yuriko rezasse pela avó e se reabilitasse dentro da sociedade.

A jovem apenas balançou a cabeça, em afirmativa. Como ligou logo para a polícia confessando o crime, isto também contou como pontos a favor em sua sentença.

PROBLEMA SOCIAL

Photo by Bertin Paquin on Unsplash (imagem ilustrativa)

Não são raros os casos de pessoas que cometem o mesmo crime de Yuriko, após serem pressionadas a cuidar sozinhas de uma pessoa idosa, que exige cuidados constantes e básicos.

De acordo com a líder do Centro Arajin de Suporte Aos Cuidadores de Idosos em Tóquio, Fumiko Makino, a função costuma ser pesada e muito estressante.

“Cuidar de um idoso que sofre de demência é algo extremo e exaustivo. Apenas aqueles que passaram por essa situação são capazes de compreender a dificuldade”, explicou.

De acordo com os dados do Ministério da Saúde e Bem-estar Social, um a cada quatro pessoas que cuidam de idosos no Japão desenvolve um grau leve depressão.

No caso de Yuriko, havia a presença do pai e dos tios e a possibilidade de discutir a situação em família.

De acordo com o professor de Bem-estar Social da Universidade Aichi Shukutoku, Yuki Yasuhiro, a jovem não poderia ter sofrido a pressão que sofreu sozinha.

“Ela foi encurralada pelos parentes a cuidar da avó sozinha. O foco da discussão era apenas o que fazer com relação a idosa, mas ninguém pensou na jovem, nas consequências disto e em como cuidar dela também”, analisou.

*Nomes fictícios
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Autor: Ana Paula Ramos

Jornalista e escritora, Ana tem sete anos de experiência no Japão, atuando como repórter na comunidade brasileira e como freelancer. Ela é a fundadora do Japão sem Tarjas e criadora do grupo ambiental "Por que você também não faz?". Em outubro de 2020, publicou o primeiro livro, "O Oitavo Andar", um suspense que se passa na cidade de Gramado. Em 2022 publicou o segundo livro, "O Diário da Minha Vida Ingrata", uma fantasia criada a partir de uma história real.

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